quinta-feira, junho 29, 2006

Aniversário

Já fizémos um ano!!!!!!!!!!!!! :)

Parabéns a nós! Happy birthday to us! Joyeux anniversaire à nous! Salue dies natalis! Feliz cumpleaños! (Se alguém souber mais línguas...)

Este era o momento para dramaticamente se fazer um balanço deste primeiro ano de (con)vivências virtuais (mas bem reais) e de chorar a lagrimazinha da praxe. Depois, deixando-nos levar pelas emoções, recordariamos o feliz momento em que de repente decidimos "hei, vamos criar um blog!". Adornávamos com umas quantas grinaldas de flores, faziamos soar os violinos e concordávamos as duas em como é bom comunicar e partilhar experiências e vivências. E assim nasceria mais um post bonitinho que todos líamos e arrumávamos numa esquecida gaveta. Sem comentar.

Mas este post não vai ser nada disto! E para ser completamente imprevisível (ou então não...), não vou dizer nada sobre este ano, sobre este blog, sobre os comentários (ou a falta deles, cough cough), ou sobre o que quer que seja... porque, desta vez, a palavra é toda vossa! Quem quiser quebrar o silêncio que impera sobre os nossos posts há mais de mil anos está agora completamente livre para o fazer! Digam o que vos apetece! Digam o que vos vai na alma! Digam o que pensam, o que acham, o que gostam, o que não gostam! Critiquem! Elogiem (mas não muito, eheh)! Digam qualquer coisa! Quebrem-me esse silêncio! Ou então calem-se para sempre!!! (NÃO!) E não me venham com desculpas esfarrapadas de exames, férias ou qualquer outro pretexto! Não é por isso que deixam de comer e dormir, pois não? Pois (con)viver é uma necessidade básica!!!!

E agora vou-me. Sem mais palavras! (Tomem, tomem, tomem!)

PS: Parabéns a nós!!!! Whoo whoo!!! :D

quarta-feira, junho 28, 2006

Divagações à roda

Às vezes estamos demasiado perto das coisas para as avaliarmos bem, tão perto que a nossa perspectiva fica completamente distorcida, ou então não compreendemos sequer as várias peças que se nos apresentam. Às vezes estamos demasiado perto das pessoas para conseguir vê-las na sua totalidade, outras estamos tão longe que apenas vemos a sua imagem distante de perfeição.

Muitas vezes, quando estamos demasiado perto das pessoas ou demasiado afastados delas, focamos certos aspectos: que nos agradam, que nos impressionam, que nos irritam, que nos atraem, que nos incomodam, que nos assustam, que nos afastam... Como se pegássemos numa lente de aumentar e fizéssemos pontaria para determinadas características. Ofuscamos tudo o resto e concentramo-nos naquelas características... As relações de absoluto não têm lugar no direito. Deus não cabe no direito. Os amigos não cabem no direito. O Amor não cabe no direito. A família não cabe no direito (gostava de saber para que serve afinal o direito...). O direito relativiza-nos uns perante os outros - claro que não poderia ser de outra maneira - e afinal sempre nos liga o princípio da igualdade: tratar igual o que é igual e diferentemente o que é diferente.

Mas as relações de absoluto têm destas coisas que é uma parte absolutizar a outra, perdoar-lhe as arestas pontiagudas dez vezes aumentadas pela lente do tempo e do conhecimento, perdoar-lhe os vértices, os ângulos agudos, as farpas atiradas mesmo sem se dar conta (mesmo aquelas que doem como tudo e demoram tempo, muito tempo, a sarar) e amar independentemente de tudo. Não há relativizações. No Amor não há relativizações. E o tempo não mata a saudade.

Como fazer, então, para não focar só insignificantes pormenores, de uma coisa, de uma pessoa, de um lugar, de um acontecimento, de uma vivência? Não é possível. Não é possível ver a todos os momentos a fotografia completa. Há sempre peças que nos saltam à vista, onde nos demoramos e perdemos, onde tropeçamos, caímos, levantamos e voltamos a tropeçar e a cair aos trambolhões. O absoluto que nós somos esqueceu-se de relativizar as coisas. E assim vamos vivendo, vendo sempre pequenas partes de uma tela que não compreendemos bem, que não imaginamos no seu todo. Ainda o ponto de partida e o ponto de chegada.... sempre a viagem. O melhor que podemos fazer é aproveitar o que temos para fazer da tela em branco um belíssimo desenho. Chegando ao fim, não há remorsos: fizemos o que pudemos com as armas que tinhamos. E absolutizámos. Sempre. Independentemente de tudo.

quinta-feira, junho 22, 2006

...

Porque é que há dias assim?...

terça-feira, junho 20, 2006

Puro plágio...

Encontrei este post noutro blog. Achei interessante postá-lo para saber o que acham:

"Olympia sabe que uma mulher tem uma aparência muito diferente quando é feliz, quando a sua beleza emana de uma sensação de bem-estar ou de se saber profundamente amada. Até uma mulher feia atrai os olhares, se for feliz, ao passo qua a mulher mais elaboradamente penteada e coberta de jóias, parecerá apenas decorativa se não transpirar contentamento."

Anita Shreve in A Praia do Destino

Concordam?

domingo, junho 18, 2006

Perspectivas

E de todas as coisas o que fica,
E de todas as coisas o que parte,
Se nem tudo na vida glorifica
E viver nem sempre é uma arte?

De um banquete só restos de comida,
De uma festa pedaços de pessoas;
E de todas aquelas outras coisas
Já só ficam lembranças menos boas...

O olhar é que escolhe a sua cor
(Mas nem tudo na vida é uma escolha)
E fácil é fecharmo-nos na dor.

Difícil é, sei lá, ver amarelo!
Virar finalmente aquela folha
E abrir as portas do nosso castelo...

quarta-feira, junho 14, 2006

Fotoblogs... Verdadeiramente assustador!

Não, não estou a hiperbolizar. É mesmo verdadeiramente assustador. O quê? Eu explico. Hoje, durante uma das minhas muitas (demasiadas) pausas do estudo de Direito Constitucional, resolvi ir visitar uns fotoblogs de umas colegas. Quando vamos ao fotoblog podemos ter acesso aos fotoblogs favoritos da pessoa que estamos a visitar. Como (supostamente) tinha tempo e queria estupidificar mais um bocadinho resolvi ir espreitando blogs. E foi aí que me assustei. Deparei-me com fotoblogs que me deixaram chocada e alarmada. Não estou a falar de pornografia (desenganem-se mentes perversas :) porque felizmente o sistema dos fotoblogs lá vai tentando proibi-la, pelo que ouço dizer. Estou a falar de uma exploração da imagem e do corpo abusiva e deprimente que se faz nos blogs. Estou a falar de dezenas de fotos, publicadas num sítio a que toda a gente que queira pode aceder, de pessoas que devem ter a minha idade ou ser mais novas do que eu (eu, com os meus 18 anos...), que expoem fotos de uma falta de pudor inacreditável. Em poses no mínimo chocantes. Com expressões faciais e corporais excessivamente provocantes! Mas que raio de mundo humano estamos nós a criar? Que raio de mundo humano SOMOS nós? Que gigante complexo-de-qualquer-coisa leva alguém a aceitar comentários tão ordinários sobre si próprio, sobre a sua imagem? Em que é que isso nos eleva a alma ou o ego? Somos cada vez mais espremidos em padrões de sensualidade, de beleza, já esteriotipados... e deixamo-nos ir? Apagamos de vez o pudor? Pudor? que palavra é essa? Não conheço... !

Deixa-me ainda mais triste constatar que ainda por cima este tipo de fotoblog é maioritariamente de mulheres. Mulheres que se sentem indignadas com o papel diminuto que ainda têm na vida pública porque ainda se sente muito a áurea à volta da figura masculina, mas que depois se colocam a elas próprias num papel que desilude, num mero objecto a ser apreciado pelo homem. Não digo que a sensualidade não seja importante. É muito importante! Qual de nós não gosta de se sentir atraente? Mas há maneiras e maneiras de se chamar a atenção so outro sexo. E os modos de o fazer com que hoje me deparei (que já conhecia, claro. Não sou assim tão ingénua!:)Mas nunca me tinha confrontado com isso) não nos acrescentam nada... apenas nos diminuem e nos reduzem a uma metade de nós - ao corpo - escondendo ou ignorante a outra - a alma (a meu ver, muito mais interessante). Hoje entristeci-me com a realidade.

(Atenção! Não quero generalizar... conheço fotoblogs muito bons. Posso também ter soado a muito radical ou extremista... mas ainda tenho as imagens a ferver-me na cabeça... e a desilusão também)

Tchim tchim aos momentos!... (:

terça-feira, junho 13, 2006

Caminhos, caminhantes e caminhadas

A metáfora da viagem está já gasta pela boca de toda a gente e, contudo, eu não me sinto mal por usá-la. "Caminhante, não há caminho – o caminho faz-se ao andar". Não sei por que toda a gente planeia tão cuidadosamente o caminho que quer traçar se não há nada tão incerto quanto uma viagem, sobretudo uma tão cheia de cruzamentos, encruzilhadas, vielas e becos sem saída. Por que temos todos de ter caminhos definidos à partida, por que temos todos de ter um rumo específico, uma rota traçada? Por que temos todos de caminhar pelo trilho já pisado por gerações de caminhantes e não nos é permitido embrenhar-nos na floresta virgem e marcar com os nossos passos um caminho nunca dantes percorrido?
Afinal todos viajamos sem bússola, sem mapa; guiamo-nos talvez pelas estrelas, seguindo numa embarcação solitária uma rota nunca traçada. Não sabemos para onde vamos e, muitas vezes, nem para onde queremos ir. Por isso deixamos que a brisa embale a nossa vela e vamos andando, às vezes em círculos infindáveis de desespero, outras seguindo ondas fantásticas que nos levam a lugares deslumbrantes. Fazemos paragens, deixamos o barquinho atracado e pisamos terra firme. Aguardamos ventos melhores, ou simplesmente recuperamos do enjoo que meses no mar alto nos provocam. Às vezes acontece-nos voltar atrás e revisitar paragens das quais nem nos lembrávamos. Estas revisitações são por vezes engraçadas, outras dolorosas e estéreis. Não há ninguém que se orgulhe de todos os metros da sua vida, porque todos os viajantes arrastam consigo quilómetros de passado. Quando esses quilómetros são deslumbrantes, os caminhantes exibem-nos cheios de orgulho e tentam vendê-los aos transeuntes que encontram nas suas paragens. Quando o pano é feio e enrugado, os pobres dos caminhantes escondem-no da luz, envergonhados, e antes procuram nas suas paragens comprar panos deslumbrantes aos transeuntes com que se cruzam – panos que sempre sonharam tecer e nunca o fizeram. É o circuito económico da vida de que os economistas não falam. Mas é impossível tecer quilómetros de pano magnífico… e todos temos nas nossas vidas alguns metros de que nos envergonhamos.
Por isso eu me pergunto: por que temos todos de traçar um caminho à partida, ainda ntes de embarcarmos nessa viagem que está na boca de toda a gente? O máximo que podemos fazer é um esboço, saber que toda a viagem tem um ponto de partida e um ponto de chegada, e algumas paragens pelo meio. Entre esses dois pontos, tudo o que fizermos é nosso. E não há nada mais belo do que traçarmos o nosso caminho – passo a passo, enquanto caminhamos.

Para ti. Tu sabes :)

Há olhares...

... que fazem cócegas

... que nos inibem

... que inspiram confiança

... que ralham

... que se encontram e nada dizem

... vazios

... que cantam

... que dizem muito

... que dizem mais do que é suposto :)

... explosivos

... que transbordam

... que perturbam

... que exigem

... que se encontram e se demoram (que tal para sempre?...)

(Podia dizer muito mais mas é o suficiente. Escrevi isto porque os olhares são o meu meio de comunicação preferido. Dizem mesmo muito - até demasiado! E, claro, porque o teu olhar tem um je ne sais quoi de mágico. Que me perturba... ou melhor... que se demora e me faz cócegas. É pra ti. Tu sabes. :)

sábado, junho 10, 2006

Para onde?

Andava em passo rápido (demasiado rápido, tendo em conta o calor) para ir ter com ela ao sítio combinado. Já estava atrasada. Como sempre. Uma gota de suor ameaçava deslizar sobre a testa até aterrar na sobrancelha. Os óculos de sol magoavam-me atrás das orelhas e os "fones" do Mp3 também não estavam a ajudar, escorregando constantemente. Já nem me lembro do que estava a ouvir. Tinha medo que o telemóvel tocasse de novo, irritado por ainda não ter chegado. Só pensava em chegar, desculpar-me pelo atraso e aguentá-la mesmo que estivesse num mau dia. Nem reparava na primavera dos jardim onde pass(e)ava em correria, nem que a poeira se ia agarrando subtilmente aos meus dedos e sandálias, nem que a relva estava mesmo bem tratada, nem que os bancos reluziam, vermelhos, entre a sombra e a luminosidade gritante do sol que brilhava com todo o esplendor. Foi então que vi. Tão raro! Tão bonito! Estavam serenamente sentados. As costas descansavam encostadas ao banco, as ancas dilatavam-se comodamente e tocavam-se de lado, uma das mãos de cada um ganhava mais 5 dedos do outro num entrelaçar de carinho. Os olhares não se cruzavam, as bocas fechavam-se em lábios finos e já vincados, as rugas desenhavam as formas do tempo nos rostos, os cabelos dançavam com a brisa que passava, brincando, grisalhos, em desalinho. Estavam felizes. Numa paz que poderia ser irritante no meio da minha correria. Mas não foi. Aquela imagem fez-me respirar. Acalmar. Tão velhinhos, tão pacíficos, tão enamorados, tão felizes. Olhavam em frente, cada um pensando no que queria, sem trocar impressões, guardando apenas a mão do outro dentro da sua. Apeteceu-me ficar ali. Falar com eles. Saber-lhes a história. Ou ficar só a olhar. A admirar a persistência com que se amam. Como mantêm um relação (é tão difícil construir e manter uma boa relação!). O telemóvel lá tocou. Já está fula. "Estou a ir" murmuro. (desligo e continuo o meu caminho).Estou a ir. Para onde?

sexta-feira, junho 09, 2006

Politiquices...

(este foi um daqueles textos que me enviam constantemente para o e-mail e a que eu não costumo ligar. Mas vindo da pessoa que mo enviou não podia ser igual aos outros textos inúteis e ridículos (alguns deles põem a nossa vida em risco!... =) que recebo. Li, ri-me e resolvi "postar". Porque este é um dos textos que, por ser tão original, eu nunca escrevi mas gostava de ter escrito.)

Discurso de um partido político...

... ANTES DE TOMAR POSSE

Nosso partido cumpre o que promete.

Só os tolos podem crer que

não lutaremos contra a corrupção.

Porque, se há algo certo para nós, é que

a honestidade e a transparência são fundamentais.

para alcançar nossos ideais

Mostraremos que é grande estupidez crer que

as máfias continuarão no governo, como sempre.

Asseguramos sem dúvida que

a justiça social será o alvo da nossa acção.

Apesar disso, há idiotas que imaginam que

se possa governar com as manchas da velha política.

Quando assumirmos o poder, faremos tudo para que

se termine com os marajás e as negociatas.

Não permitiremos de nenhum modo que

nossas crianças morram de fome.

Cumpriremos nossos propósitos mesmo que

os recursos económicos do país se esgotem.

Exerceremos o poder até que

Compreendam que

Somos a nova política.

...DEPOIS DE TOMAR POSSE

Basta ler o mesmo texto acima, DE BAIXO PARA CIMA

quinta-feira, junho 08, 2006

E até eu me senti desaparecer

Estávamos sentadas na mesma mesa, uma mesa enorme, na sala de estudo para mestrandos e doutorandos das zoologias. Eu olhava para o meu calhamaço de constitucional, mas os meus pensamentos estavam longe. Chegou com algum alarido e começou a espalhar o material de estudo pela mesa. Mecanicamente, puxei as minhas coisas mais para perto de mim, não num súbito ataque de possessividade, mas por estar a ocupar quase metade daquela mesa enorme. "Deixa estar, não é preciso". E eu sorri.
Voltei a olhar para o calhamaço e apercebi-me do frio que estava naquela sala. Um calor insuportável lá fora e eu ali a sentir frio! Vira-se para mim de repente e pergunta-me: "Estás a guardar lugar para alguém?" Eu sorrio simpaticamente um sorriso meio forçado e digo que não.
Percebi que ela estava ansiosa. Decerto à espera de alguém. De um rapaz.
Viro a página do meu calhamaço, a saborear aquela ansiedade que ela sentia. É boa. É um nó no estômago que nos obriga a olhar para a porta ao mínimo ruído. E aquela pontinha de desilusão de cada vez que ela se fecha e não é ele...
Ela estava à espera Dele. Olhava para o relógio de cinco em cinco segundos e trocava mensagens pelo telemóvel. Depois olhava para os cadernos, escrevia umas frases e voltava a olhar para o relógio. Ela estava ansiosa. E até eu começava a sentir aquela ansiedade! Não havia maneira de me concentrar naquele calhamaço...
Ela estava à espera Dele.
Ele chegou. Era louro, lindo, com uns olhos azuis. Apenas olhei de relance, tal como apenas sentira a ansiedade de relance. Ele não me dizia respeito. Nem ela. Eles são dois e estavam visivelmente apaixonados. Mal ele entrou na sala, a ansiedade dela deu lugar a uma euforia magnífica! Eles eram dois, juntos, amados... tão lindos!
E até eu me senti desaparecer.

terça-feira, junho 06, 2006

Um prato de ervilhas

Há já muito tempo que quero pôr aqui esta pequena história. Primeiro, porque sempre que a leio acabo a rir e rir é bom e faz bem aos músculos da cara. Depois, porque me lembro sempre da minha co-bloguista Leonor, cuja relação com as ervilhas (sim, é isso mesmo: ervilhas!) é muito semelhante à descrita no conto. Além disso, ando sem inspiração (para lhe chamar uma coisa poética) para escrever o que quer que seja. Portanto, três boas razões para a pôr aqui. Faz parte de uma antologia organizada pelo escritor norte-americano Paul Auster que se chama Pensei que o meu pai era Deus. O escritor fez um programa de rádio em que lia histórias escritas pelo americano comum, histórias pessoais de amor, de guerra, de desconhecidos, de situações insólitas. Daí nasceu o livro. E aqui fica Um prato de ervilhas. Espero que se divirtam tanto quanto eu!

Um prato de ervilhas

O meu avô morreu quando eu era pequeno e a minha avó começou a ficar connosco cerca de seis meses por ano. Os meus pais reservaram-lhe um quarto a que chamávamos “o quarto dos fundos” e que não era só dela, visto que o meu pai também o usava como escritório. Para onde quer que fosse, a minha avó transportava uma nuvem de uma poderosa fragrância. Era aquele tipo de perfume que pode ser comparado a uma bebida que, de tão alcoólica, nos deixa rapidamente inconscientes, ou a uma espingarda de dois canos capaz de matar um alce de uma vez só. A arma do crime era um pulverizador enorme e a minha avó usava-a de uma forma tão liberal quanto assídua. Quem entrasse no quarto dela arriscava-se a sufocar. Quando ia passar os outros seis meses do ano com a tia Lillian, a minha mãe e as minhas irmãs abriam de par em par todas as janelas, retiravam a roupa da cama e punham os cortinados e os tapetes a apanhar ar. Depois, passavam vários dias a lavar e a arejar tudo, num frenético combate para erradicar o penetrante odor.
Assim era a minha avó na época em que se deu o ignominioso caso das ervilhas. A coisa passou-se no Biltomore Hotel, o qual, para a minha cabecinha de oito anos, era sem dúvida o mais chique dos locais para se comer fora em toda a cidade de Providence. A minha avó, a minha mãe e eu fomos almoçar ao Biltmore Hotel depois de uma manhã a fazer compras. Todo inchado, pedi um bife Salisbury, sabendo muito bem que, sob esse nome pomposo, se escondia um hambúrguer bem à maneira com montes de molho. Porém, quando me trouxeram o bife Salisbury, verifiquei, não sem surpresa, que vinha acompanhado de uma bandeja de ervilhas.
Eu não gosto de ervilhas. Não gostava de ervilhas quando tinha oito anos. Sempre odiei ervilhas. O facto de alguém comer ervilhas por sua livre e espontânea vontade é, para mim, um mistério verdadeiramente insondável. Eu não comia ervilhas em casa. Não comia ervilhas no restaurante. E é claro que não ia comê-las no Biltmore Hotel.
“Come as ervilhas”, disse a minha avó.
“Mãe”, disse a minha mãe com a sua voz de aviso. “Ele não gosta de ervilhas. Deixe-o em paz”.
A minha avó não respondeu, mas havia um brilho nos seus olhos e um arrepanho no seu queixo e boca que indicavam, de uma forma muito clara, que ela não permitiria que a contrariassem. Inclinou-se para mim, olhou-me bem nos olhos e proferiu a fatídicas palavras que numa questão de segundos, mudaram por completo a minha vida:
“Pago-te cinco dólares se comeres as ervilhas”.
Eu não fazia a menor ideia da triste sina que, nesse momento, avançava na minha direcção como uma daquelas esferas gigantescas usadas na demolição de edifícios. A única coisa que eu sabia era que cinco dólares era uma soma colossal, quase inimaginável, e que, por muito horríveis que as ervilhas pudessem ser, bastar-me-ia comer aquela pequena bandeja para ficar com os cinco dólares. E foi assim que, com grande esforço, comecei a engolir as nojentas bolinhas.
A minha mãe estava lívida. Quanto à minha avó, exibia aquele ar glorioso de quem acaba de jogar um trunfo invencível. “Eu posso fazer o que muito bem entender, Ellen, e não és tu que me vais impedir”. A minha mãe lançou-lhe um olhar assassino. Depois a ferocidade do seu olhar fixou-se em mim. No que toca a olhares assassinos, não há ninguém que bata a minha mãe. Se houvesse uma prova de olhares assassinos nas Olimpíadas, não tenho a menor dúvida de que ela ganharia a medalha de ouro.
Eu, obviamente, continuava a enfiar ervilhas pela garganta abaixo. Os olhares assassinos estavam a deixar-me nervoso e, de cada vez que engolia uma ervilha, só me apetecia vomitar, mas a mágica imagem dos cinco dólares flutuava diante dos meus olhos e, por muito enjoado que estivesse, a verdade é que a bandeja lá acabou por ficar vazia. Com algum aparato, a minha avó tirou a nota de cinco dólares e deu-ma. A minha mãe manteve-se calada, mas os seus olhos continuavam a fuzilar. E o episódio chegou ao fim. Ou pelo menos era o que eu pensava.
A minha avó foi para casa da tia Lillian umas semanas depois. Nessa noite, ao jantar, a minha mãe serviu duas das coisas de que eu mais gostava e continuo a gostar: rolo de carne e puré de batata. Mas o rolo e o puré não vinham sozinhos: tinham a companhia de uma grande e fumegante tigela de ervilhas. Ofereceu-me algumas ervilhas e eu, nos derradeiros momentos da minha inocência infantil, recusei. A minha mãe fixou-me com um olhar cortante enquanto punha um monte enorme de ervilhas no meu prato. E foi então que, pela primeira vez, ouvi as palavras que haviam de perseguir-me durante anos.
“Comeste-as por dinheiro”, disse ela, “Também podes comê-las por amor.”
Oh desespero! Oh devastação! Só agora – demasiado tarde! – me apercebia de que, involuntariamente, condenara a minha pobre pessoa a um inferno de que não havia escapatória possível.
“Comeste-as por dinheiro. Também podes comê-las por amor.”
Haveria alguma coisa que eu pudesse contrapor a isto? Não, não havia nada. Se comi as ervilhas? Oh, pois claro que comi! Comi-as nesse dia e em todos os dias em que a minha mãe as serviu. Os cinco dólares gastei-os num instante. A minha avó faleceu passados alguns ano. Mas o legado das ervilhas sobreviveu-lhe – sobrevive ainda hoje. Sempre que me serve ervilhas e vê um esgar de enjoo, por muito leve que seja, na minha cara (porque a verdade é que continuo a odiar as horrorosas bolinhas verdes), a minha mãe repete, pela enésima vez, as temíveis palavras:
“Comeste-as por dinheiro. Também podes comê-las por amor.”

Rick Beyer

sábado, junho 03, 2006

Advérbio de modo II

Queria só, interrompendo o meu estudo por instantes, mostrar um cherinho da imponente fonte de inspiração do poema "advérbio da modo" da minha querida co-bloguista. A fonte tem nem mais nem menos do que 911 páginas espalhafatosa, indiscreta e verborreicamente salpicadas com pequenas maravilhas como esta :

"... o mencionado problema - o problema jurídico concretamente decidendo - não é empirico-atomisticamente considerado e referencial-fundamentantemente indiferente, mas histórico-situacionalmente relevado e normativo-juridicamente intencionado."

Um verdadeiro desafio de exegese textual!

(e isto não é nada!... =)