quarta-feira, janeiro 30, 2008

Solidão

Durante muito tempo pensei a solidão em sentido metafísico. De estarmos postos neste mundo, abandonados a um deus-dará, desprotegidos e cheios de frio face às contingências da vida. A solidão não é mais para mim esse monstro filosófico-metafísico. Não estamos enregeladamente sozinhos, nem abandonados pelos deuses do Olimpo, nem pelo Deus de uma qualquer religião monoteísta. Acredito em Deus? Que importa?

A minha única solidão é o medo de perder aqueles que amo (não é esse o medo universal?).

sábado, janeiro 19, 2008

Os processos da vida

Eu não sou psicóloga. Sou, ou parte de mim é, aprendiz de jurista, que é como quem diz estudante de direito. A palavra processo está, por isso, para mim, irremediavelmente contaminada pelo universo jurídico. Em processo leio, automaticamente, processo civil, processo penal, administrativo, acção judicial, sequência de actos e diligências referentes à composição judicial de um litígio ou conflito de interesses… e outros palavrões que tais.

Cheguei já a um estado que se pode considerar grave: penso nas palavras processos da vida e tenho logo a imagem nítida de uma gigante biblioteca com estantes a abarrotar de processos arquivados, processos chorudos onde estão guardados todos os pormenores da vida de cada pessoa. Seria engraçado poder chegar a uma biblioteca assim, dirigirmo-nos sem vergonha ao bibliotecário e pedir, sem mais, para consultar o processo das nossas vidas e, quem sabe, das vidas dos outros. Seria sem dúvida engraçado, mas também perigoso, e traria novos sentidos ao tão falado segredo de justiça…

Mas não é de justiça que se fala quando se fala em processos da vida (a vida é tudo menos justa). A palavra processo, mais do que a palavra vida, é arrogantemente polissémica e por isso a minha mente de jurista foi estudá-la ao dicionário. Saí, obviamente, derrotada: a minha ignorância é tal que nem se lembrou do significado primeiro, mais óbvio e escancarado da palavra. Processo é, antes de mais, o modo pelo qual uma coisa é feita. E logo a seguir, a forma pela qual alguma coisa tem um determinado percurso, tem um certo seguimento.

Como a minha imaginação é pródiga, em todos os sentidos, imaginou logo um curso de água, correndo liquidamente ao longo do seu caminho. E pensou também que, no limite, tudo é processo, até o rio, que corre interminavelmente pelos tempos. Razão tinha então o filósofo quando dizia, para espanto de todos, que nunca se toma banho duas vezes no mesmo rio, seja porque as águas são já outras, seja porque o banhista não é já o mesmo. Tudo o que é orgânico é processo, matéria em decomposição, ainda que seja viva. Até os calções de banho do tal banhista, matéria morta, não são os mesmos ao segundo banho no rio: estarão mais gastos, mais ruços, mais perto, enfim, do destino que os aguarda, com um sorriso irónico nos lábios, e que é a sua morte. Ou a reciclagem, que é mais politicamente correcto.

Processo é, portanto, nesta acepção, uma coisa em devir (ora cá está a minha perspectiva filosófico-jurídica a meter-se onde não é chamada), é evolução, transformação, mudança, passagem.

Claro que uma perspectiva assim, embora realista, é assustadora. Saber que os calções de banho, bikinis e afins, aqueles de que tanto gostávamos e que usaríamos até ao fim dos tempos, envelhecem e se estragam e deixam de cobrir com pudor os segredos e os locais que no fundo são iguais em todos nós é algo verdadeiramente doloroso. É uma perda irremediável e da qual saímos sempre outros, mais cépticos, mais amargos, mais desiludidos com o processo da vida. Mas no limite, tudo é processo, e processo é, na sua essência, digo eu e não o dicionário, dinâmica, dialéctica, movimento e às vezes estagnação. Processo é, e assim diz o dicionário, uma sucessão de etapas e de estados.

Mas processo é apenas uma parte do problema. A outra parte, bem mais complexa, é em si só um mundo irresistível: a vida.

E aqui é que as coisas se tornam verdadeiramente difíceis. O dicionário contém definições, não respostas. O dicionário explicita as acepções da palavra, mas todos os significados são poucos para a vida. De tão especial, quase se pode apelidar de palavra mãe, a palavra de onde brotam todas as outras. Mas o que é a vida, afinal? O que é a vida?

Sim, numa perspectiva muito científica e pragmática, a vida são processos. Nascemos e morremos – entre esses dois momentos, tudo em nós é um conjunto infindável de processos, processos incríveis, milagrosos, misteriosos, processos que nos levam a dizer, se no fim ainda formos capazes, que vivemos, que fomos vivos, que passámos por este mundo e experimentámos esse fenómeno inefável que é viver. Processos atrás de processos, descobertas, aprendizagens, mudanças, transformações, experiências… o léxico é variado, mas tudo se resume a uma palavra: processo. O próprio nascimento é um processo complexo. Doloroso, num irónico piscar de olho a quem nasce, como quem diz que a vida, ela própria, não é fácil e é, muitas vezes, dolorosa.

Eu não conheço, em qualquer grau que ultrapasse o senso comum, os fenómenos reais que são esses processos todos, quer a nível cerebral, hormonal, anatómico, celular, genético ou qualquer outro que fazem parte da experiência de se ser pessoa. Não sei que nome lhes dar, não sei identificá-los. Não sei apontá-los num mapa, não sei procurá-los no dicionário. Mas sei senti-los.

Sei reconhecê-los em mim e, por analogia (sempre o jurídico, estou perdida…), nos outros. Por mais diferenças de fundo que haja – e há-as, sem dúvida – somos todos humanos e a experiência de se ser humano é uma experiência universal. Os processos são em tudo semelhantes em todos nós, humanos, nós que evoluímos dos macacos (dizem), que evoluímos da própria evolução do mundo, em si mesma um processo repleto de processos – como as matrioshkas russas, grávidas de si próprias em miniatura – e chegámos aqui, hoje, ao Homem global, ao Homem “evoluído”, ao Homem cada vez mais parecido consigo próprio.

O Homem que, embora individual, preso no seu corpo, no seu ser, nos seus processos interiores, se transcende e alcança o outro, ama, age e influencia a pequena parcela do mundo onde vive, se deixa transformar, se deixa amar, se deixa evoluir. E no fundo, tudo isto são processos.

Sim, a vida é um conjunto intrincadamente complexo de processos, a vida, essa linha descontínua entre o nascer e o morrer. A vida, essa poesia breve, essa brisa que nos faz estremecer num orgasmo silencioso ao percebermos quão breve e finita ela é… esse cheiro a maresia, essa cor, essa alegria, esse vibrar esfusiante de energia! Essa dor, eterna, esse respirar como se fosse a última golfada de ar, esse leve desespero, essa lamentação de saber a condição com que nascemos… E no fim, poder dizer ainda: “eu vivi, eu vivi plenamente sabendo que iria morrer, eu vivi sabendo que me foi dada a magia de passar por um número incontornável de processos a que tive constantemente de me readaptar, reajustar, numa flexibilidade aprendida à custa de muitas lágrimas e de muitos risos”. Poder dizer: “eu vivi e dei vida, eu vivi e amei e fui amado e, embora morra agora, não morri. E de alguma maneira permaneci na memória de quem me sobreviveu”.

Sim, a vida é uma sucessão de processos. Processos com ou sem sentidos, consentidos ou não, que a vida não pede autorização para acontecer. A vida, a vida, a vida… Haja só esta ou haja outra, a vida é rica. A vida é, não pode deixar de ser, processos. Mas…

E a Vida, o que é?

segunda-feira, janeiro 14, 2008

; )

Hoje é mesmo o primeiro dia do resto da minha vida! As decisões são tramadas... mas valem bem a pena! Olá vida nova!!

Mais pormenores?!... eles virão a seu tempo! ;)

domingo, janeiro 13, 2008

Reflexões sobre insatisfação, exigência e Amor

"A tua exigência sem amor, revolta-me. O teu amor sem exigência, humilha-me. O teu amor exigente dignifica-me." Henri Caffarel

(É mesmo isto. Quis dizer-te esta frase mas não me lembrei das palavras exactas e resolvi esperar até as saber.)

Não sei Amar sem exigência. Não consigo conceber o Amor sem a Exigência. Acho que só quem sabe exigir é que Ama. Estas não são realidades que, juntas, se tornam mutuamente perfeitas... ou melhor, a exigência não é o único componente do Amor e o Amor não se extingue na Exigência. No Amor cabe muito, cabe tanto, cabe tudo. Mas sei, acredito, que um Amor sem exigência não é Amor. O Amor é querer mais. O Amor é o oposto da estagnação. E a exigência é o motor que provoca o andamento, é o constante empurrão que gera o dinamismo. É por eu querer saber mais sobre mim que me mexo, que escavo, que aprofundo, que vou mais dentro, que toco feridas, que dou passos dolorosos... para depois me aceitar e seguir em frente, mais feliz. Quero saber mais de mim, conhecer-me melhor, porque não estou satisfeita. Não estou satisfeita porque sei que posso dar e ser mais. Se sei que posso dar e ser mais e quero dar e ser mais, sou mais exigente comigo. A insatisfação é consequência directa da exigência. E a exigência é consequência directa da insatisfação. "O homem é um eterno insatisfeito"... já não sei se é "frase feita" ou se foi dito por algum brilhante filósofo, mas há lá frase mais certa do que esta? Seja para o lado menos humano do Homem, seja para o seu lado mais seu, a insatisfação é que puxa os cordelinhos. Porque quer mais dinheiro? Porque o que o tem não o satisfaz. Porque dá do seu tempo para o gastar nos outros? Porque viver para si e dentro de si só não o satisfaz. O Homem é um ser aberto, incompleto, que procura sempre mais, por natureza. E é por assim ser que evolui. É por assim ser que há dinamismo na história da Humanidade. É, também, por assim ser que o Amor sobrevive. Porque nesta insatisfação humana, não pode caber apenas a insatisfação pessoal. Rapidamente o Homem perderia de vista aquele que é o âmago da sua existência - o outro. A insatisfação do Homem abarca o outro. Abarca tudo aquilo que ele Ama. E se a insatisfação é condição da exigência, também é pressuposto do amor. O amor é querer mais. É aceitar aquela pessoa por tudo o que ela é hoje mas saber que depois do hoje há o amanhã e que amanhã ela poderá ser mais. Mais ela própria. Mais encontrada consigo mesma e portanto conseguindo também ser mais para os outros. Encontrar-se nos outros. Ser mais para a família, os amigos, os desconhecidos. Mais para o mundo. Amar é querer mais. É querer mais de mim e mais dos outros. Por isso digo que não sei amar sem exigência. E claro que também não posso exigir sem ser por amor. Porque "a tua exigência sem amor, revolta-me". A exigência sem amor é oca. É falsa. É hipócrita. É incoerente. É estéril. Conduz apenas à revolta e à quebra de laços.

A meu ver, é por o Homem estar, cada vez mais, a perder a capacidade de exigir, que também cada vez mais frequentemente estabelece relações superficiais, que ficam pela rama da pessoa, pela parte agradável, e com a qual é fácil de conviver, do outro. É por o Homem não ter coragem para exigir que não consegue tantas vezes amar verdadeiramente.. e por isso proliferam as rupturas de relações, por exemplo. Porque enquanto a relação se aguenta naquele mútuo entendimento do "toma-lá-dá-cá", naquela facilidade do "tens de gostar de mim como eu sou porque eu sou assim e pronto", naquele conforto do "se eu não te chatear tu também não me chateias", a convivência é fácil, serena, sempre divertida e sem problemas. Cedo, porém, começam as discussões "porque eu te dou e tu não me dás nada", "porque a relação caiu no tédio, ja que não há nada de novo a descobrir em ti"... porque não há crescimento em conjunto sem interacção ou exigência com o outro. Não há crescimento se só houver a mera aceitação. Na mera aceitação falta o empenho, o investimento, a preocupação, o deixar que o outro me ajude a crescer e ajudá-lo a crescer também... falta a exigência. A mera aceitação, a satisfação com a mera aceitação, traça um caminho entre dois, lado a lado, tolerante, mas não uno... acho que não chega sequer a ser um caminho. É um encontro sem pernas nem caminho para andar.

Para crescermos, temos de interiorizar que não nos bastamos a nós próprios. Precisamos dos outros, que estão fora do quadro a olhar para a pintura e conseguem perceber muito mais facilmente e com mais clareza quais são as áreas que temos de trabalhar, colorir mais ou menos, dar uns retoques, preencher ou deixar em branco. O eu precisa que o tu interaja. Sempre. Precisa de um tu que ame o eu como ele é, com todos os defeitos que ele tenha, mas que queira mais, que queira que ele seja feliz e que não desista no caminho para ser melhor... e que como tal não tenha medo de exigir.

Por isto é que o amor é difícil... mas, sem dúvida, gratificante.

"Não me peçam para ser menos exigente. É o mesmo que me pedirem para não vos amar."
O que aprendi? ... que tenho de
dar sempre a entender aos eus que este tu exige porque ama
e não o faz por egoísmo ou por querer destruir o eu.
E que é tão exigente com os eus como é consigo mesmo.

quinta-feira, janeiro 03, 2008

Às vezes preferia que não fosse assim. Mas ainda bem que é.
Trago a música tatuada na pele.