domingo, setembro 30, 2007

curioso.

p.s. desculpem a completa estagnação do blog. Prometemos ganhar vida e inspiração quando acabarem estes exames de melhoria.Não prometemos, Ritinha? :)

sábado, setembro 01, 2007

Regresso

Será urgente regressar? Regressar, simplesmente, assim de repente como nasceu uma criança. Regressar, sem pressas, às avessas, com a mochila cheia a abarrotar de gentes, com os dentes tortos de bater com a boca no chão das quedas que se (não) deu, com as costas cheias de dores e os pulmões colados à garganta (como se isso fosse anatomicamente possível). Será preciso regressar?

Para regressar é preciso ter partido. Mochila às costas, roupa no pêlo, guitarra na mão (ou não), bilhete de ida e volta, fazer-se ao caminho. Quem foi que disse ao viajante que não há caminho? “Viajante, não há caminho, faz-se o caminho ao andar.” E se não se andar? Ficar parado é triste.

Talvez haja regressos metafóricos. Ou porque o viajante nunca chegou a partir ou porque não se atreveu a regressar. O que interessa é quem regressa, não o regresso em si. Como voltou? Vem mais cheio, mais inteiro? Mais gordinho? Que aconteceu no caminho?

Sim, que aconteceu? Só tem sentido assim, o regresso. Espalhar a roupa da mochila na cama e com ela os pedacinhos dos outros que vieram por engano no meio dos trapos. Sentir a sujidade das roupas e lembrar os segredos que ela guarda. O que aconteceu? Espalhar depois os pedacinhos que não vieram porque não deixámos e os que perdemos e ficaram a pairar na ponte invisível entre mim e o outro – a ponte dos afectos, instável, com vigas de madeira a baloiçar de um lado ao outro. Indizível para quem não sente, desmorona-se com facilidade e com esse desmoronar ficamos sós. Nós e a nossa roupa suja na mochila. Mas há sempre o espanto que nos leva a escavar mais fundo, a querer descobrir mais, uma pequena certeza de um pedacinho de alguém, nem que seja roubado, e a encontrá-lo ao pé de um par de meias mal cheirosas onde guardámos o nosso lado errado. Pena que tenha ficado tanta coisa esquecida na nossa própria mochila… algum viajante ficou mais pobre porque nós só lhe mostramos a roupa de cerimónia e não lhe demos uns trapos que guardamos junto ao coração…

O que é o regresso afinal? Há um regresso ou o regresso é o de quem regressa? É o mesmo que chegar? É o inverso de partir? Para que regressamos?

Regressar é voltar ao lençol do quotidiano e vê-lo com olhos extraordinários. Sim, é preciso regressar. Chegar, enquanto descoberta, não basta. É preciso voltar a chegar. Regressar tendo partido, regressar outro, mas o mesmo (ou qualquer coisa de intermédio). Regressar, sempre, como se viajássemos continuamente e repetidamente regressássemos de viagens infinitas. Regressar, ponto final. Quem não regressa é a mera promessa de partir. E a promessa, embora fina, é como quem desafina porque nem chegou a cantar. E ainda assim, não basta o regresso em si. O regresso como um fim é a ilusão da viagem. Não conheço nenhum viajante a quem baste o regresso. Isso são os turistas, cheios de souvenirs e lembrancinhas que não lembram a ninguém, as fotografias e o postal da catedral que se viu pela lente da máquina descartável. Não, não basta o regresso e os seus troféus. É preciso ter visto com olhos de ver, ter olhado outros céus, outros seres e no fim vir ainda insatisfeito. Com o aperto no estômago de não ter bastado, de não ter sido, de não ter dado mais do que o bastante.

Para que serve este regresso? Para que serve a barriga de insatisfação, de tristeza a roçar a melancolia, de pesar? É o embalo, a raiva, a seiva da certeza de voltar. Re-partir e regressar.