quarta-feira, abril 25, 2007

Do dia 25

Hoje só quero repetir uma palavra até ficar sem voz:

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

Liberdade!

(Ainda há tanto por para fazer…)

arrependimento

Arrependimento. Palavra que pesa na alma. Quem se enche de arrependimento, quem deixa que o arrependimento alastre como uma nódoa na sua vida, não aproveita o presente. Vive atracado no passado. A lamuriar-se, arrependido, pelos erros que o fizeram mudar a rota da sua viagem. Arrependido, tão arrependido, que tendo chegado a rasgar algumas ondas, a avançar para o mar alto, a saborear o marulhar, não chegou onde queria, onde sempre quis, onde sempre desejou chegar. E, assim, arrependido e frustrado, recolheu as velas e voltou ao cais do passado. Chorando musgo pelas frestas da madeira do seu casco envelhecido. Sem querer errar mais, para mais tarde não se arrepender, não avançou. E nem sequer se apercebeu que não tinha chegado mais longe porque se arrependeu. Arrependeu-se de não ter seguido a rota já planeada. Arrependeu-se de ter tomado decisões condicionado. Arrependeu-se até de ter feito planos porque isso o levou ao arrependimento. Nesse cais do ontem, largou a sua âncora, o seu arrependimento, que o fez ficar ali. A certa altura até se sente confortável ali, seguro até. Muito seguro. O arrependimento pesa-lhe, mas também o segura à areia. Não o deixa arriscar em nada. O mar que o rodeia é sempre o mesmo. Até já nem é frio. É quentinho. Já não chora mais. O arrependimento já faz parte dele. Essa âncora já não vai ser subida. Nunca. Ele já sabia que se a subisse, arrepender-se-ia de o ter feito. E ficou ali. feliz. (Não se chegou a aperceber verdadeiramente dos momentos que poderia ter vivido. Não se chegou a aperceber que bastava ter navegado mais um pouco, com mais um pequeno esforço, dando a volta aos problemas, para chegar a um cais diferente. Bastava isso. Um cais onde se sentiria verdadeiramente feliz. Ele era feliz... mas porque simplesmente não quis arriscar e ver que havia mais. Muito mais para além daquele cais.) E ali apodreceu.

terça-feira, abril 24, 2007

O teu voto conta!

Hoje é dia de eleições na faculdade de direito.

O teu voto conta!

As eleições são um acontecimento grandioso e espectacular que consegue levar multidões ao claustro sempre deserto de uma faculdade historicamente orgulhosa. Há eleições praticamente durante todo o ano: para a Direcção Geral da Associação Académica de Coimbra, para as Comissões de Curso, para o Núcleo de Estudantes de Direito, para isto, para aquilo…

O teu voto conta!

Desta vez são para o Núcleo de Estudantes de Direito e, durante uma impossível e interminável semana, não se vê mais nada. Em qualquer ponto que o nosso olhar alcance, lá estão os flyers, os cartazes, organigramas, caras e mais caras (algumas total e completamente desconhecidas), autocolantes, porta-chaves, isqueiros, promessas, mais promessas, projectos megalómanos e ideias luminosas. Em nenhuma outra altura do ano há tantas conversas, tantos beijinhos e abraços, tanto contacto entre os caros colegas, futuros juristas. Em nenhuma outra altura do ano há tantos amigalhaços naquele claustro, em nenhuma outra altura do ano se vive uma atmosfera tão intensa.

O teu voto conta!

As eleições são um fenómeno interessantíssimo:

  • revelam a fibra dos estudantes que andam adormecidos o ano inteiro;
  • estreitam laços entre perfeitos desconhecidos;
  • incentivam a comunicação e dão vida a uma geriátrica instituição;
  • desenvolvem competências de socialização, de relação interpessoal e, especialmente, técnicas de manipulação e aldrabice;
  • promovem o caciquismo e a demagogia e despertam a veia política de um elevado número de estudantes;

As eleições têm ainda o mérito de, ao menos durante uma semana de vez em quando, fazer as pessoas sentirem-se importantes. Quem não gosta de ver aproximar-se um perfeito desconhecido que nunca lhe dirigiu a palavra na vida (e assim que acabarem as eleições deixa imediatamente de o fazer) dar-lhe dois beijinhos entusiasmados e dizer:

“Tu és importante, não te esqueças de ir votar no dia 24!”.

O teu voto conta!

Hoje é dia de eleições na faculdade de direito. Dia de espectacular luxo democrático, ele é o culminar de uma interminável semana de campanha e o advento do sossego. De hoje sairá um novo Núcleo de Estudantes de Direito, cheio de promessas, projectos megalómanos, ideias originalmente luminosas. Sentar-se-á no trono como o fizeram inúmeros grupos de promessas antes dele e acabará por deixá-lo sem que o mundo tenha saído dos eixos. E no fim, as costas do trono estarão quentes, nunca arrefecem porque há sempre promessas a entrar e a sair.

O teu voto conta!

segunda-feira, abril 23, 2007

O espelho do mundo

Olho-me ao espelho como uma desconhecida e vejo a evidência que tanto me irrita: a palidez da minha pele não liga com a minha carapinha. Está escrito na minha imagem que sou o fruto de um atentado às convenções, filha de dois mundos diferentes. Sou feita de duas raças e a arbitrariedade com que a natureza as juntou em mim é dolorosamente cruel. Do meu pai de ébano herdei a cabeleira rebelde, indomável e insubmissa, da minha mãe a pele láctea e olhos cor do mar. Faço parte daquele terreno pantanoso que não é uma coisa nem outra, e eu não sou branca, nem preta, nem mulata. Cometi o pecado de nascer diferente e a diferença é, para o Homem, um pecado sem perdão.

O espelho olha-me do outro lado e eu vejo-me desconhecida. O espelho olha-me como um desconhecido com a força do preconceito. Sinto nele os sorrisos de piedade, os olhares de espanto e sinto-me como uma besta no circo, estou num palco e vejo os rostos surpreendidos por entre as barras de ferro. Apetece-me gritar, partir o espelho, quebrar o espelho do mundo. Apetece-me odiar as pessoas que me olham com os olhos no umbigo e não vêem nada – nem mesmo elas próprias.

Eu cometi o erro de ser uma contingência estranha da natureza. Cometi o erro maior, o que encosta o Homem à parede e lhe põe o rabo entre as pernas e as orelhas baixas e a miar e a gemer e morrer de medo. Eu cometi o erro de não ser classificável.

Eu sou branca, tenho os olhos azuis e o cabelo muito preto, muito enrolado na cabeça. As minhas raízes estão espalhadas por duas culturas, duas formas de vida tão opostas quanto ricas em beleza. Amo as minhas duas culturas e as minhas origens dispersas, amo-as e não sou nem só uma nem só outra. Eu tenho o privilégio pesado de ser duas e não ser nenhuma e, embora eu ame os dois mundos que me deram vida, eles não me amam a mim porque só amam a pureza. As duas matilhas olham-me como a um cão rafeiro, brandindo aos quatro ventos a qualidade da sua raça pura.

Não sou rotulável. Eu sou a prova viva da imprevisibilidade do Universo e sou suficientemente arrogante para afirmar que personifico a confusão, a dúvida, o medo. As pessoas olham para mim e não compreendem a Natureza, eu grito-lhes a estranha contingência da vida aos ouvidos tapados e abro-lhes os olhos cegos para a coisa mais assustadoramente bela da existência: a imprevisibilidade. Mas as pessoas precisam de clareza, de certeza, de segurança. Eu também. E olho para o espelho e vejo tudo isto e sei que vou ser sempre inadaptada. Porque eu sou o oposto da clareza, da certeza, da segurança. Eu sou uma brincadeira cósmica à escala humana. E por isso, sou olhada com desconfiança, até por mim própria. O preconceito dos outros é o mesmo que o meu e não é por isso que deixa de me irritar menos. A incoerência da minha pele e da minha cabeleira dói-me como as minhas contradições, porque sei que, se fosse de uma só raça e olhasse alguém que não é uma coisa nem outra, o meu olhar seria de preconceituosa indiferença, talvez até de desdém, e a consciência disto é extremamente dolorosa. É tão fácil julgar os outros com os olhos cegos postos no nosso próprio umbigo, tão fácil usar os nossos padrões, a nossa bitola liliputiana, a nossa curta perspectiva para tecer juízos de valor sobre os outros… e esta é a minha vergonha, o meu arrependimento – sou inadaptadamente preconceituosa por despeito.

quinta-feira, abril 19, 2007

A história do ego que era grande de mais

Era uma vez um ego tão inchado, tão inchado, tão inchado que um belo dia explodiu.

Evasão

sábado, abril 14, 2007

A ilha do teu corpo

O teu corpo é uma ilha comprida
Na exacta medida do meu desejo.
Sábios astrolábios para um beijo,
Secretas coordenadas da loucura,
Teus lábios prendem um trevo
Erguido e toda a tua figura 
É a postura de um deus grego.

Na ponta da ilha do teu corpo
Rebentam ondas de cabelo escuro,
Agreste, rebelde, viril e maduro.
Vagas de fogo eternamente posto,
Densa floresta em dança louca,
Prolonga-se pelo teu rosto
Emoldurando a tua boca.

No porto da ilha do teu corpo
Teus olhos refulgem cintilantes,
Tesouros misteriosos, diamantes.
Teu queixo é o cais, moreno discreto,
Teus ombros fortificações maduras;
A penugem áspera do pescoço erecto
Donde se soltam, loucas, as doçuras.

Toda a ilha do teu corpo é um mundo
Onde é extensa a planície de quimeras.
Vastos são os braços com que enlaças
Em ti as minhas doces primaveras.
E aí mais no fundo não disfarças
O teu ceptro maduro, androceu:
O teu corpo é uma ilha
E tudo o que és é meu.

segunda-feira, abril 09, 2007

Um metro e meio de violino

Um metro e meio, ou pouco mais de um metro e meio, de braço dado com o seu pequeno violino, o menino subiu ao palco, muito sério, muito contido. Tinha uns olhinhos pequeninos, quase em bico, quase fechadinhos, de um castanho muito escuro, muito escuro, como o cabelo escorrido a cair no pescoço. Depois de uma vénia tímida, apertou o violino com o pescoço e contra o peito (imagino o coraçãozinho a bater lá dentro, descompassadamente) e de repente o violino já fazia parte dele, já não era só um instrumento era, isso sim, o prolongamento da sua pessoa. Afinou-o, trocando olhares com a professora sentada ao piano, e estavam os dois prontos para começar.

E de repente, com uma violência incrível, com gestos quase dramáticos, tão intensos, tão rápidos, tão impressionantes, ele e o seu pequeno violino dançavam, ou talvez fosse a sua alma a passar dos dedinhos para as cordas, um som tão intenso, tão brutal… como sai tanta intensidade de um menino? Ah, que pena eu não perceber de música se não o prazer de a ouvir! Soubesse eu as notas, soubesse eu tudo e perceberia o prodígio de onze anos e o som do seu violino! Fosse para mim o Chaconne de Vitali o Chaconne de Vitali e não um longo e arrepiante choradinho!

(Primeiro entra o piano, baixinho, suave, como um sussurro que convida a falar. O violino responde ao chamamento, de repente, revoltado ou talvez apenas triste, chorando, chorando, num diálogo íntimo e por vezes violento, exaltando-se aqui e ali, mas sempre intenso, sempre intenso. Parece contar-lhe a história da sua vida, com altos e baixos, exaltações e lamentações, com uma profundidade absolutamente impressionante e esmagadora. O violino domina o piano, subjuga-o, ou talvez seja o piano que constantemente incita o violino a contar dramaticamente a sua história. Não funcionam um sem o outro e sabem-no e por isso incitam-se mutuamente, numa relação quase física, numa convivência quase material.)

De vez em quando, nas partes menos violentas da peça, o menino ficava de repente muito contido, muito tranquilo, e a sua boquinha fazia uma espécie de biquinho de concentração. E a música lavou-me até às lágrimas e eu não percebo como pôde um principezinho emocionar-me tanto. Uma grande plateia de gente grande e toda a gente comovida com a imensidão de um menino tão pequenino.

terça-feira, abril 03, 2007

Dogville

Há rasgos de génio que nos enchem de espanto.

Há retratos cruelmente lúcidos do que é ser-se pessoa, do que é ser-se humano (e por mais voltas que lhe demos, por mais optimismo que tenhamos, por mais felicidade que toquemos, não há como fugir à lucidez desses retratos…).

Há obras-primas que nos corroem de inveja porque queríamos ter sido nós a criá-las! (e eu que nunca tive aspirações de realizadora de cinema…)

Este filme é em tudo um dos melhores que já vi. Por mais voltas que dê à cabeça, qualquer que seja o prisma, é sempre irrepreensivelmente genial. Vendo-o da perspectiva do argumento (genial), da perspectiva da cenografia (genial), da perspectiva da luminotecnia (genial), da perspectiva do trabalho de actor (genial), da perspectiva de toda a sua concepção (como é que Lars Von Trier se lembrou DISTO?!!!), não encontro nada fora do lugar, nada que esteja em desequilíbrio. É um tratado de filosofia, um tratado de poesia, um tratado de teatro do melhor que há, um tratado da existência (numa visão absolutamente trágica e sem redenção possível) e não há uma única sombra no que toca à perfeição deste filme. E até aí é cruel porque é um filme essencialmente sobre a imperfeição do humano, sobre a sua eterna arrogância e sobre a maneira como as circunstâncias influenciam (determinam?) tudo o que fazemos, não fazemos e deixamos de fazer.

Não tenho palavras. Este é um daqueles filmes que só mesmo vendo. Está lá tudo. Tudo.

(Ah, o carinho por esta caixa preta de experiências, os traços de giz no chão e as transparências de todos nós! Todas as paredes são de vidro e todos os nossos muros são de esponja… Dogville somos todos nós – está-nos no sangue de humanos. Antes fossemos cães e a nossa natureza fosse a nossa natureza e não houvesse maneira de contornar isso…)

domingo, abril 01, 2007

Apontamento desbotado

Suave,
Eternamente suave,
A lembrança
Da inocência
De criança.

Breve,
Incrivelmente breve,
A ideia
De uma vida
Sempre cheia.

Leve,
Extremamente leve,
O peso da saudade,
Da lembrança,
E da eterna nostalgia
Da infância.