A metáfora da viagem está já gasta pela boca de toda a gente e, contudo, eu não me sinto mal por usá-la. "Caminhante, não há caminho – o caminho faz-se ao andar". Não sei por que toda a gente planeia tão cuidadosamente o caminho que quer traçar se não há nada tão incerto quanto uma viagem, sobretudo uma tão cheia de cruzamentos, encruzilhadas, vielas e becos sem saída. Por que temos todos de ter caminhos definidos à partida, por que temos todos de ter um rumo específico, uma rota traçada? Por que temos todos de caminhar pelo trilho já pisado por gerações de caminhantes e não nos é permitido embrenhar-nos na floresta virgem e marcar com os nossos passos um caminho nunca dantes percorrido?
Afinal todos viajamos sem bússola, sem mapa; guiamo-nos talvez pelas estrelas, seguindo numa embarcação solitária uma rota nunca traçada. Não sabemos para onde vamos e, muitas vezes, nem para onde queremos ir. Por isso deixamos que a brisa embale a nossa vela e vamos andando, às vezes em círculos infindáveis de desespero, outras seguindo ondas fantásticas que nos levam a lugares deslumbrantes. Fazemos paragens, deixamos o barquinho atracado e pisamos terra firme. Aguardamos ventos melhores, ou simplesmente recuperamos do enjoo que meses no mar alto nos provocam. Às vezes acontece-nos voltar atrás e revisitar paragens das quais nem nos lembrávamos. Estas revisitações são por vezes engraçadas, outras dolorosas e estéreis. Não há ninguém que se orgulhe de todos os metros da sua vida, porque todos os viajantes arrastam consigo quilómetros de passado. Quando esses quilómetros são deslumbrantes, os caminhantes exibem-nos cheios de orgulho e tentam vendê-los aos transeuntes que encontram nas suas paragens. Quando o pano é feio e enrugado, os pobres dos caminhantes escondem-no da luz, envergonhados, e antes procuram nas suas paragens comprar panos deslumbrantes aos transeuntes com que se cruzam – panos que sempre sonharam tecer e nunca o fizeram. É o circuito económico da vida de que os economistas não falam. Mas é impossível tecer quilómetros de pano magnífico… e todos temos nas nossas vidas alguns metros de que nos envergonhamos.
Por isso eu me pergunto: por que temos todos de traçar um caminho à partida, ainda ntes de embarcarmos nessa viagem que está na boca de toda a gente? O máximo que podemos fazer é um esboço, saber que toda a viagem tem um ponto de partida e um ponto de chegada, e algumas paragens pelo meio. Entre esses dois pontos, tudo o que fizermos é nosso. E não há nada mais belo do que traçarmos o nosso caminho – passo a passo, enquanto caminhamos.
1 comentário:
beijinho, tiago
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