quinta-feira, maio 17, 2007

Exames, estreias e cigarros

Preciso desesperadamente de um cigarro. Preciso de o sentir nos lábios, de lhe sentir o cheiro lânguido e adocicado, de lhe ver a ponta incandescente queimando lentamente o seu corpo. Preciso da sua consistência, de lhe puxar o fumo para dentro de mim e saborear a calma e prazer de o sentir percorrer-me as alamedas do ar, de lhe travar a teimosia e voltar a deitá-lo cá para fora, lentamente.

Há dois momentos muito específicos em que gostava que o destino me tivesse tornado fumadora: um, nos dias que antecedem uma estreia, aquele nervoso miudinho do palco que nasce do baixo-ventre e viaja até à garganta, aquela adrenalina irrequieta; outro, nas longas e tortuosas épocas de exame, sobretudo naquelas que começam uma semana depois da Queima…

Por favor lembrem-me de que não estou sozinha!!!

sexta-feira, maio 11, 2007

Djorgé... Pálmaaaaaaaaaaaaa!

Mais um ano de nove dias de festa, loucura, anestesia. A Queima das Fitas tornou-se sinónimo exclusivo de Noites do Parque, de Quim Barreiros, de Xutos e Pontapés, de Rui Veloso, de The Gift, de Jorge Palma e de outras bandas recorrentes todos os anos. Há as barracas, há o palco, há as bebidas e, é claro, a cerveja. E há uma multidão indiferenciada de bonequinhos pretos.
As tensões da vida quotidiana escorregam pelas goelas e dão saltos na gravilha do recinto. O dinheiro esvai-se dos nossos bolsos rotos para as mãos ávidas dos vultos furtivos que exploram toda esta festa, mina de ouro, pólvora, fonte quase inesgotável de mais euros do que aqueles que nos atrevemos a imaginar. A nós interessa-nos o álcool e a folia e o resto é conversa.
Andamos trajados de orgulho estudantil ou anarquicamente vestidos de nós mesmos, num gesto deliberado de não fazer parte de nenhum grupo excepto do grupo dos anarquistas. Somos rebeldes e não nos importamos que nos pensem no secundário (a festa é nossa, a festa é desta e para eles não há festa como esta!). Nós temos bilhete geral e todos os dias, todas as noites, estamos lá a fazer a nossa festa, o nosso "show" e a enriquecer quem fez da nossa festa uma empresa. A festa não é nossa, a festa já não é nossa! A festa é das tascas, a festa é dos táxis, a festa é das concessões, a festa é dos coletes amarelos e dos "staff"!... a festa é de todos menos dos estudantes, para quem ela foi criada.
A festa acaba hoje e, com ela, a folia de Coimbra. Volta à pacatez, volta à pequenez, volta aos tons cinza, a nossa Coimbra. Cada cidade tem em si um pulsar próprio de que não se apercebe quem nela vive - só quem vem de fora e passa uma temporada a conhecê-la. Pelos olhos de um amigo de fora eu vi o pulsar de Coimbra: a sua pacatez durante o ano, a sua depressão nas épocas de exames, a sua extroversão e loucura nas épocas festivas. É uma cidade universitária e as suas ruas vivem ao ritmo dos estudantes. Depois da festa, a ressaca – e os exames.

sábado, maio 05, 2007

"abstreto"

... e então, depois de muito caminhar, de já conseguir sentir todos os músculos da perna a cada passo que dava, de já quase sentir a vibração pouco silenciosa das cordas vocais depois de ter abusado delas escandalosamente para tentar encontrar o que queria, de já quase ter perdido toda a esperança (e ela sabia que essa era a última a morrer!...), sentiu um quentinho, viu uma luz, quase que ouviu aquele coro de anjinhos pirosos que aparece nos cartoons... mostrou os dentes num meio sorriso que se foi rasgando até às orelhas... seria possível? encontrou alguém e disse: - Não acredito. Encontrei? É aqui que há mais? Consegui encontrar o sítio e as pessoas que dão mais? - hahaha! Aqui, se há mais, é mais do mesmo. E ela morreu.
(duro, talvez. Mas bem real. Estou a entrar em decomposição.)

terça-feira, maio 01, 2007

Em jeito de carta a um suicida bem sucedido

Há exactamente dois anos e onze dias. Doze dias. Treze dias. Vão passando os dias e a carta espera porque nunca chegará ao seu destino. Há exactamente essa eternidade precisa, deixaste. Desististe. Catorze dias. Quinze dias. Vão passando os dias e foi hoje exactamente há dois anos e quinze dias. A pergunta ficou suspensa nos nossos lábios vivos. Eternidades passam e a tua memória perdura, porque tu existes precisamente à flor da nossa memória. És Abril. Abril em mim, Abril em nós.

Não quero glorificar a tua morte. Não há nada de glorioso no suicídio e a glória póstuma de gente invisível em vida é a maior arrogância da gente visível que sobrevive. Arrogância e culpa. A tua infelicidade foi um crime punido com a indiferença mas somos nós os criminosos que a lei não pune. Só a consciência.

Uma vontade, uma corda, uma fuga: a cobardia e a coragem ficam ao critério de quem te quer julgar como bom ou mau, nesse maniqueísmo terrível da moral rasa de papel. Eu não sei, há um pouco de tudo ou talvez nem seja nada disso. Quem sabe? Os teus lábios já não respondem. Há exactamente dois anos e quinze dias.

Tudo isto é demasiado impressionante para as palavras. Porque não foi só o impacto da tua morte o impressionante – o impressionante foi o vazio. Num momento existias e no momento seguinte não passavas de uma memória. Voluntariamente. Conscientemente. Puff.

Se eu soubesse exprimir tudo o que perdeste nesta eternidade reduzida de dois anos e quinze dias… mas como expressar a beleza de viver por inteiro? Como expressar a maravilha que é viver uma paleta completa de tonalidades cromáticas? Como fazer-te ouvir o sublime das escalas todas, dos tons, dos acordes, dos ritmos, ruídos, silêncios e como fazer-te sentir a textura das palavras vivas? Como mostrar-te que o belo, o dolorosamente belo, de estar vivo é experimentar os matizes todos dos sentires e sentidos, os cambiantes dos sabores das lágrimas e dos risos e a mais insuportável banalidade dos dias reais? Como explicar-te que não há magnitude nenhuma, não há realeza, não há tronos, não há coroas – só cadeiras de verga onde sentamos o corpo cansado de mais um dia brutal, onde bebemos o licor da esperança dos dias que ainda hão-de vir e recuperamos energias perdidas com preocupações vãs? Como revelar-te que não há indignidade nenhuma no sofrimento e que a alegria não é uma planície? Como explicar-te que a felicidade é uma substância química pouco palpável cujo néctar só bebemos em certos momentos pequenos e a doseados tragos? Como transmitir-te a calma divina da paz de espírito e da tranquilidade, quando os assombros e os fantasmas abandonam a nossa cabeceira da vida e nos deixam relaxar por inteiro? Como extasiar-te com a euforia da descoberta, de nós, do outro, de nós com o outro?... Como falar-te do Amor? E como, como, desenhar-te os contornos indefinidos desta coisa vaga e imprecisa que é Viver?

Se eu soubesse mostrar-te tudo isto, se tu tivesses sabido tudo isto… Porque no fim só paira uma pergunta nas nossas línguas sobreviventes: para quê, T.?

Para quê?