sexta-feira, maio 11, 2007

Djorgé... Pálmaaaaaaaaaaaaa!

Mais um ano de nove dias de festa, loucura, anestesia. A Queima das Fitas tornou-se sinónimo exclusivo de Noites do Parque, de Quim Barreiros, de Xutos e Pontapés, de Rui Veloso, de The Gift, de Jorge Palma e de outras bandas recorrentes todos os anos. Há as barracas, há o palco, há as bebidas e, é claro, a cerveja. E há uma multidão indiferenciada de bonequinhos pretos.
As tensões da vida quotidiana escorregam pelas goelas e dão saltos na gravilha do recinto. O dinheiro esvai-se dos nossos bolsos rotos para as mãos ávidas dos vultos furtivos que exploram toda esta festa, mina de ouro, pólvora, fonte quase inesgotável de mais euros do que aqueles que nos atrevemos a imaginar. A nós interessa-nos o álcool e a folia e o resto é conversa.
Andamos trajados de orgulho estudantil ou anarquicamente vestidos de nós mesmos, num gesto deliberado de não fazer parte de nenhum grupo excepto do grupo dos anarquistas. Somos rebeldes e não nos importamos que nos pensem no secundário (a festa é nossa, a festa é desta e para eles não há festa como esta!). Nós temos bilhete geral e todos os dias, todas as noites, estamos lá a fazer a nossa festa, o nosso "show" e a enriquecer quem fez da nossa festa uma empresa. A festa não é nossa, a festa já não é nossa! A festa é das tascas, a festa é dos táxis, a festa é das concessões, a festa é dos coletes amarelos e dos "staff"!... a festa é de todos menos dos estudantes, para quem ela foi criada.
A festa acaba hoje e, com ela, a folia de Coimbra. Volta à pacatez, volta à pequenez, volta aos tons cinza, a nossa Coimbra. Cada cidade tem em si um pulsar próprio de que não se apercebe quem nela vive - só quem vem de fora e passa uma temporada a conhecê-la. Pelos olhos de um amigo de fora eu vi o pulsar de Coimbra: a sua pacatez durante o ano, a sua depressão nas épocas de exames, a sua extroversão e loucura nas épocas festivas. É uma cidade universitária e as suas ruas vivem ao ritmo dos estudantes. Depois da festa, a ressaca – e os exames.

7 comentários:

Eduardo Barroco de Melo disse...

Não creio que a festa não seja dos estudantes. É verdade que as Noites do Parque geram muito dinheiro e que serve muitos interesses económicos. Mas a Queima não é só Noites do Parque. E a festa adapta-se, é certo, mas a tradição vai-se mantendo. E para quem, como eu, chega a esta cidade fantástica, vestir a Capa e Batina pela primeira vez ou vezes ainda tem grande peso e importância. Apenas a festa interessa, não o que está ao lado dela. E Coimbra ainda é nossa.

Ricardo disse...

Aí está uma grande verdade!

Agora escusavas de lembrar constantemente a malta da realidade que se aproxima :/

rita disse...

Thinker, estive a ler o teu texto sobre a Queima no "Culpa os Neurónios" e percebo perfeitamente a tua perspectiva. É claro que é redutor dizer que Queima e Noites do Parque são sinónimos e admito que talvez tenha exagerado ao dizer isso. Mas o que eu sinto é que cada vez mais o que move esta festa são interesses económicos astronómicos e nesse sentido sinto que os estudantes deixaram de ser o centro da festa e passaram a ser marionetas nas mãos de quem faz dinheiro com tudo isto. Percebi que esta foi a tua primeira Queima e sei bem o encanto de trajar pela primeira vez. Não que eu ligue muito ao traje, sou sincera, mas também me lembro da sensação de a minha madrinha me traçar a capa, lembro-me da sensação de vestir o traje pela primeira vez, lembro-me de chorar na serenata (o fado é uma das coisas mais lindas de Coimbra) e também da euforia das noites com amigos espectaculares, das primeiras noites, trajada, estudante de Coimbra.
Acho que estava à espera de sentir esse deslumbramento de novo e foi triste aperceber-me de que não o sentia. Já não achei assim tão fascinante o traje, achei-o, até, desconfortável, e os pés queixavam-se dos sapatos que queriam dançar mas doíam. Não achei piada ao cortejo nem me apeteceu embebedar-me só para lhe achar piada. Já não há o encanto de ir trajada pela primeira vez e ainda não há o encanto de ter o grelo ou ir no carro. Não sei, talvez a culpa seja minha, mas sinceramente não apreciei nenhum dos momentos altos da tradição académica durante a Queima. Nem a Serenata, que acho das tradições mais belas da cidade, me tocou particularmente.
Talvez por isso realcei tanto as Noites do Parque. É óbvio que eu gosto das noites (embora o cartaz deste ano tenha deixado muito a desejar… até o concerto do Jorge Palma, meu ídolo de sempre, foi fraco…) mas não consigo deixar de me irritar com a sua comercialização louca. Comer uma fatia de pizza a 2,5€ é roubar descaradamente. Beber uma bebida que não seja um fino a mais de 2,5€ é explorar descaradamente. Bilhetes pontuais para não estudantes de fora a 16€ é um roubo. Bilhete geral a 42€ é incrível! E isto só dentro do recinto! Para não falar dos táxis, das tascas (com jantares rascos a 9€), de tudo! É só isto que me irrita nas Noites do Parque. Por isso sinto que, de alguma maneira, a festa, que é nossa, Coimbra, que é nossa, não é completamente nossa. Somos explorados na nossa maior vulnerabilidade: a necessidade de nos divertirmos loucamente durante uma semana que assumimos como nossa.


Ricardo… eu sei, tu tens razão… mas acho que falar na realidade que se aproxima é só para me mentalizar da depressão colectiva que aí vem… cheira-me a noitadas nas cantinas… :(

Eduardo Barroco de Melo disse...

Sim, eu sei. No Fórum AAC deste ano discutimos essa questão, embora com poucos resultados. Talvez nos próximos anos se possa melhorar isto.
Quanto à tradição, é natural que não vejas as coisas com o deslumbramento da primeira vez. Mas isso também depende da maneira como vês a vida académica e essas mesmas tradições.

Já agora, de que curso és?

rita disse...

Pois, acho que tem a ver com a maneira como se vêem as tradições e a vida académica. Eu confesso que vejo ambas com muitas reticências, quase como se tivesse alergia ou qualquer coisa assim. E sinto cada vez mais que as discussões à volta destes temas são redondas e recorrentes, esgotadas de argumentos. Pode ser só impressão minha, eu não costumo participar no Fórum AAC. Mas o que sinto muito na tradição é que ela tem aquela coisa de criar uma ilusão de pertença a um grupo, de integração, que é das coisas mais importantes para cada um de nós. Só que a verdade é que não passa de uma ilusão, de mais um lobby. É a mesma necessidade de identificação com um grupo que leva à criação de associações, grupos culturais, políticos, religiosos. E depois temos uma coisa chamada praxe, uma espécie de espaço discricionário que cada um faz como entende. Não sei, sou muito crítica em relação a tudo isto, talvez até de mais. E não sinto nada o tão badalado orgulho de ser estudante de Coimbra.

É verdade, estou em Direito. Talvez isso explique muitas das reticências que tenho em relação às tradições. Acho que fiquei com alergia à "mui nobre casa" e a certos dinossauros que por lá continuam. :)

Eduardo Barroco de Melo disse...

Em Direito normalmente preza-se a tradição, embora perceba essa resistência aos "dinossauros". Sentir esse orgulho e a tradição tem muito a ver com o espírito de cada um, provavelmente não faz parte da tua personalidade ser assim.
Não acho que a pertença a um grupo específico seja ilusão, é claramente diferente (na minha opinião) ser estudante cá ou noutro ponto do país. Não percebi foi muito bem a tua crítica, qual o mal de as pessoas se juntarem por interesses comuns?
A praxe não é feita como cada um entende, há liberdade mas dentro de determinadas regras e tradições.

Por acaso, uma das razões que me levou a não escolher Direito foi não ser capaz (penso eu) de ser advogado ou juíz (: (Sim, eu sei que as saídas vão além disso).

rita disse...

Acho que tens razão quando dizes que não faz parte da minha personalidade sentir esse orgulho e a tradição. Mas acho que também tem a ver com o facto de eu às vezes sentir que se usa a tradição como desculpa para outras coisas, que se cumpre a tradição sem espírito crítico, e das coisas que mais me incomodam é ver pessoas que nunca se questionaram cumprir a tradição só porque sim. Acho que é precisamente isto que também me incomoda em algumas associações, daí a minha crítica. É claro que não há mal nenhum as pessoas juntarem-se por interesses comuns, faz parte da natureza humana e é bom. A única coisa que me incomoda é quando isso passa a ser motivo de discriminação (das pessoas que não têm os mesmos interesses ou hábitos) e quando o efeito de grupo tolhe a liberdade de pensamento e de expressão, o que acontece sobretudo quando os grupos estão ligados a ideologias. Incomoda-me, por exemplo, grupos onde só há uma maneira de ver as coisas, sem espaço para a diferença. E é nesse sentido que me irrita o orgulho académico, quando levado ao extremo e se transforma numa espécie de arrogância, como se fosse uma grande mérito e nobreza e não uma escolha, uma parte de um projecto de vida. O bonito é quando as diferenças das pessoas se juntam para criar algo maior e transcendente, maior do que cada uma das nossas individualidades. Será isso que me encanta na serenata, o conjunto das vozes, das várias pessoas? Não sei. Gosto demasiado da diferença para me associar a uma imagem de estudante da academia de Coimbra. Às vezes sinto esse orgulho estudantil como um estereótipo quando na verdade há tantas maneira de viver a Academia.
Não sei se concordas com isto?

Quanto a não teres escolhido Direito, acredita que neste momento sinto que fizeste a escolha certa para continuares uma pessoa saudável! Conviver com aqueles dinossauros é a melhor maneira de perder a cabeça... :)