domingo, novembro 18, 2007

O fabuloso negócio dos preconceitos

Um dia, quando for grande, vou vender preconceitos. Vou montar uma banquinha no meio da rua, com um carrinho de mão enferrujado e uma sombrinha toda comida pelo sol. Visto o meu melhor fato de treino roxo e verde fluorescente, daqueles que fazem crs crs a cada passo que damos, e depois sento-me silenciosamente num banquinho de feirante. Abro o negócio a meio da tarde, ou talvez depois do almoço, que é quando há mais gente na rua. Deixo que os transeuntes me olhem bem de frente, e não só pelo canto do olho, como quem tem medo de ver realmente. Assim, ofereço, de borla total e completa, o primeiro preconceito aos transeuntes que se cruzarem comigo na rua. Promoção do dia, ao preço da chuva, que é nada.

Um preconceitozinho aqui e outro ali, para começar, e quando o negócio for de vento em poupa, lanço as primeiras edições de coleccionador, para ver se têm saída. Mas não vou aceitar moeda viva, que essa nem se sente na pele: o preço rondará o valor da culpa. Os pequenos preconceitos terão um valor baixo, porque a culpa que eles geram é menor. Os grandes preconceitos terão alto valor, porque a culpa por eles gerada é incomportavelmente maior. E assim não darei de mãos abertas o preconceito gerado pela diferente capacidade económica, e também esse terá de ser comprado. Serei realmente uma vendedora astuta e pensarei em tudo.

Então, se Deus quiser, terei um negócio maravilhoso e poderei deixar o meu curso a meio. Assim terei ainda outro preconceito na manga que poderei vender com considerável sucesso. Um dia, todo o mundo terá muito mais preconceitos e seremos todos mais felizes. Quanto mais preconceitos temos, mais nos defendemos dos preconceitos dos outros. Será um mundo cada vez mais fraterno, solidário e justo: todos terão direito a preconceitos, numa profunda visão democrática da coisa. Seremos realmente iguais em direitos porque teremos todos direito a preconceitos.

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá!
Estava indeciso em comentar este texto ou o outro. Optei por este. Aposto que o Costa Andrade merece o teu elogio (que não à loucura, apesar da postura dele ser considerada dessa forma por muitos catedráticos da "old school") porque, se calhar, não seria teu cliente nessa loja de preconceitos. Em conclusão, dizer que o teu texto acertou na "mouche", e que mais uma vez me agradou bastante a tua escrita (já é a segunda vez que elogio, qualquer dia torna-se costume :).
Cumprimentos.

rita disse...

Muito obrigada pelo elogio!
É bom saber que, mesmo após um interregno tão longo, este blog continua a ser lido e apreciado. Agradeço!