sexta-feira, novembro 16, 2007

Uma questão de justiça

Quando uma sala está quase cheia na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra só pode ser uma de duas coisas: ou são alunos do primeiro ano em regime de avaliação contínua ou é uma aula do Costa Andrade.

Isto, que seria ainda mais verdade em anos anteriores, onde alunos que pusessem os pés naquele claustro eram aberrações da natureza, continua a ser verdade uns meses depois de Bolonha. É que há professores péssimos, professores maus, professores medianos, professores bons, professores excepcionais – e depois há o Costa Andrade.

Ir a uma aula do Costa Andrade é perceber em carne e osso que quem só sabe direito não sabe nada de nada. Que há muito mais para ensinar do que normas e princípios, casos práticos e teorias. Que há uma coisa excepcional, uma coisa imprescindível para que um professor seja realmente bom e que, parecendo que não, faz toda a diferença: a arte de comunicar.

Eu não sei se o Costa Andrade sabe mais do que outro professor qualquer (sei que ele sabe muito, muito, muito). O que sei é que é muitíssimo melhor comunicador do que qualquer um com que já me tenha cruzado. E depois tem o charme dos seus muitos anos, do sorriso largo, o encanto de quem se esquece às vezes de pequenos pormenores, como quem perde o fiozinho de lã à meada do pensamento, e brinca com isso, sorrindo, brincando e ensinando ao mesmo tempo. E fala de futebol (é ferrenho do Benfica, já deu para perceber) e tem piada e fala de coisas bem para lá do direito e depois, como tem já idade para isso, diz coisas que só vindas da sua boca têm o encanto e graça que têm. Como a que motivou este elogio rasgado ao melhor professor, com base em critérios científicos e total imparcialidade.

A propósito de teorias históricas do crime, da importância do elemento subjectivo para determinar se determinado comportamento se enquadra ou não num tipo legal de crime, Costa Andrade prova que quem é bom foge à regra com um estilo magnífico. E dá um exemplo “pouco académico”. Ri-se um pouco e diz, com o ar mais natural do mundo e uma classe tremenda “Por exemplo, um exemplo pouco académico… Um homem apalpa a mama a uma mulher”. Ficamos todos boquiabertos, como que diz ai ai ai o que é que vem lá. E depois lembramo-nos de que aquele homem irradia uma aura qualquer (quase tenho a impressão de que ele poderia estar a dizer a maior barbaridade que ainda assim teria classe - claro, é só impressão). Após breve pausa, acrescenta que tal acto, se não tivermos em conta o elemento subjectivo, pode ser muita coisa.

“Pode ser um acto médico.” E nós, ah! E ele gesticula com as mãos, como quem busca o exemplo seguinte.

“Pode ser um acto de coacção sexual”. E nós pensamos, claro, foi logo disso que nos lembrámos. E faz uma pequena pausa, como quem sabe a exacta reacção das palavras que vai dizer.

“Pode ser um acto gratificante para ambos”.

A sala enche-se de um riso geral, embalado pelo seu sorriso experiente. E eu fico uns minutos a viver o meu fascínio por aquele homem e a pensar que há tanto para explorar no ensino que talvez nunca tenha fim.

É por isto que a minha primeira afirmação estava completamente errada: quando há uma sala cheia na faculdade, só pode ser uma aula do Costa Andrade.

4 comentários:

Anónimo disse...

É gratificante ter-te de volta à escrita, aos relatos das tuas experiências académicas e espero que a outros assuntos também. Já tinha saudades de me deliciar com a leitura dos teus textos ;-).
Como o blog faz parte dos meus favoritos venho sempre dar uma espreitadela, com a ansia de encontrar um novo texto. Continua. Beijo.

rita disse...

:)
muito obrigada, olga!
um grande beijinho!

Athanais disse...

é a única aula teórica que vou, porque me dá prazer de ir!

é exactamente como dizes: "há professores péssimos, professores maus, professores medianos, professores bons, professores excepcionais – e depois há o Costa Andrade."

Um bj*

rita disse...

ai opá! que crime!
o Costa Andrade não é ferrenho do Benfica mas sim... do Porto!
de uma maneira ou de outra isto só comprova: ninguém é perfeito.