quarta-feira, junho 13, 2007

A beleza do carpe diem

Carpe diem... Seize the day, segredava o professor no Clube dos Poetas mortos. Carpe... diem... parecia que as molduras que os seus alunos contemplavam enquadravam fotografias cujos modelos pareciam segredar o mesmo. Carpe Diem. O desejo de que aqueles que os contemplassem ouvissem o seu segredo conservava pelos tempos os rectângulos a escala cinza.

Aproveita o dia. Entristece-me perceber que o carpe diem está a perder a beleza. Não por ser quase catalogado como frase feita. Acho que não corre esse risco. O risco, corre-o na interpretação que dele se faz. Que se faz de tão simples expressão. Carpe diem = vive tudo hoje. Carpe diem = experimenta tudo como se não houvesse amanhã. Carpe diem = a vida é curta e tens de aproveitar o imediato. Carpe diem = para quê fazer planos. Carpe diem = absorve o já, o imediato, o instantâneo, e não penses sequer no reflexo que o que fazes agora pode ter no futuro. Que sofreguidão é esta, pergunto eu? Que pressa é esta, a de querer experimentar tudo já porque pode não haver depois ou porque no depois já não há espaço para experiências? Nem há tempo para mastigar. Apreciar os sabores. Os contrastes agri-doces que a nossa lingua explora. Engole! Engole tudo já! Se depois quiseres mastigar, olha! Ou consegues com algum esforço trazer tudo de novo à boca e reflectires num bolo alimentar ou paciência e segue em frente.

A sofreguidão e a impaciência mataram a beleza do carpe diem. Erradicaram-na.

Carpe diem é mais; penso eu. É muito mais. É um não tenhas medo de assumires o dia de hoje. Aproveita-o e assimila-o. Ele faz de ti o que tu és e podes ser. É muito mais. É um aproveita o Pouco, o Pequeno e o Possível, e disfruta da sua beleza e das transformações que em ti ocorrem, frutos dos 3"Pês". É muito mais. É um vive um dia de cada vez mas com os olhos em Deus (ou na tua alma, para quem Nele não crê) que te atira o olhar para bem mais longe do que o teu dia, do que o agora e do que os teus pés.

Aproveita o dia porque ele é como que mais uma conta no colar da tua história, que podes depois acariciar com as saudades de um dia bem aproveitado que ficam guardadas na memória, compondo uma conta perfeita; conta à qual se juntarão muitas mais, todas fruto de um carpe diem com futuro, paciente, belo.

O que é para vocês o Carpe Diem?

1 comentário:

Príncipe Myshkin disse...

Antes que eu responda à tua pergunta final, deixa-me dizer algo, rápido, sobre o texto: é bom abrir o blogue e redescobrir algo de teu. As tuas reflexões são sempre pertinentes. Devo-me confessar encantado com os 3 "Pês": Pouco, Pequeno, Possível. Brilhante - mas, acima de tudo, recoberto da substância da verdade. Acho que ainda estou demasiado imaturo para poder tecer um comentário sério sobre essa trilogia: vou pensar nela nos próximos dias - parece-me que tem muito para me dizer, que uma primeira leitura não chega para apreender. Mas desde já, obrigado por partilhares algo tão belo e profundamente criativo.

Respondendo-te agora. "Carpe Diem" quer, etimologicamente, dizer não tanto "aproveita o dia", mas sim "colhe o dia": aqueles que amam Ricardo Reis lembrar-se-ão que é de facto assim que ele traduz a máxima horaciana nas suas odes. É estranho que a expressão tenha vindo a associar-se a essa sofreguidão e imapciência de experiências que descreves na primeira parte do texto, uma vez que, originalmente, ela remetia para uma atitude profundamente epicurista, de saborear as coisas pequenas (olha, o Pequeno!) do dia e da vida, ambos efémeros. A imagem que temos de Ricardo Reis (que é um expoente dessa filosofia) é, de facto, a de um homem parado à beira do rio, com a sua amada, o sol nos olhos, a água nos pés, sem um sorriso, na paz de um descanso natural. Não percebo o que é que isto possa ter a ver com o sentido actual de "carpe diem" que criticas. Pessoalmente, creio que o "carpe diem" é a capacidade de viver o dia de tal forma que, se ao fecharmos os olhos para dormir, soubéssemos que íamos fechar os olhos para morrer, achássemos que não morríamos particularmente infelizes (não digo que, como os Ornatos Violeta, não contássemos "ouvi dizer que o mundo acaba amanhã/e eu que tinha tantos planos para depois" - porém, não ficaríamos totalmente desiludidos com o que tínhamos vivido até então). É dizer como o Thoreau: "...so that when I came to die, discover not that I had not lived".
Acredito que o meu discurso, a uma primeira vista, não parece muito diferente daqueles que se precicpitam no remoinho das experiências imediatas. Porém, o seu espírito é, na realidade, muito diferente. Até porque isso de anadar de experiência em experiência é particularmente enganoso, pois nunca num dia poderemos viver todas as experiências, pelo que, se for esse o nosso objectivo, ao fim do dia teremos de estar, naturalmente, desiludidos e insatisfeitos (no fundo, temos de querer menos - olha, o Pouco!).
O "carpe diem" é saber reconhecer em cada acto, em cada encontro, em cada pessoa, um momento, uma possibilidade, um embrião bastante de felicidade e realização - é podermos olhar para trás e não dizermos de nada "foi em vão". "Colhe o dia". Quando se colhe uma flor, é para dar a alguém de quem gostamos ou para levarmos para casa e embelezar a sala. Colher o dia deve ser isso: ou embelezar a sala que é a vida (aqui, apercebo-me, estou-te quase a repetir a metáfora da conta, mas por outra imagem), ou que o dia tenha valido para alegrar alguém, para amar alguém. "Colher o dia" poder "oferecer o dia", no fundo. (Subitamente, começo a recear que este meu longo discurso não seja mais do que um moralismo balofo...Acho melhor ficar por aqui e desculpa o tamanho e, eventualmente, o amontoado de lugares-comuns baratos que despejei... eu de facto devia rever este texto...)