segunda-feira, abril 09, 2007

Um metro e meio de violino

Um metro e meio, ou pouco mais de um metro e meio, de braço dado com o seu pequeno violino, o menino subiu ao palco, muito sério, muito contido. Tinha uns olhinhos pequeninos, quase em bico, quase fechadinhos, de um castanho muito escuro, muito escuro, como o cabelo escorrido a cair no pescoço. Depois de uma vénia tímida, apertou o violino com o pescoço e contra o peito (imagino o coraçãozinho a bater lá dentro, descompassadamente) e de repente o violino já fazia parte dele, já não era só um instrumento era, isso sim, o prolongamento da sua pessoa. Afinou-o, trocando olhares com a professora sentada ao piano, e estavam os dois prontos para começar.

E de repente, com uma violência incrível, com gestos quase dramáticos, tão intensos, tão rápidos, tão impressionantes, ele e o seu pequeno violino dançavam, ou talvez fosse a sua alma a passar dos dedinhos para as cordas, um som tão intenso, tão brutal… como sai tanta intensidade de um menino? Ah, que pena eu não perceber de música se não o prazer de a ouvir! Soubesse eu as notas, soubesse eu tudo e perceberia o prodígio de onze anos e o som do seu violino! Fosse para mim o Chaconne de Vitali o Chaconne de Vitali e não um longo e arrepiante choradinho!

(Primeiro entra o piano, baixinho, suave, como um sussurro que convida a falar. O violino responde ao chamamento, de repente, revoltado ou talvez apenas triste, chorando, chorando, num diálogo íntimo e por vezes violento, exaltando-se aqui e ali, mas sempre intenso, sempre intenso. Parece contar-lhe a história da sua vida, com altos e baixos, exaltações e lamentações, com uma profundidade absolutamente impressionante e esmagadora. O violino domina o piano, subjuga-o, ou talvez seja o piano que constantemente incita o violino a contar dramaticamente a sua história. Não funcionam um sem o outro e sabem-no e por isso incitam-se mutuamente, numa relação quase física, numa convivência quase material.)

De vez em quando, nas partes menos violentas da peça, o menino ficava de repente muito contido, muito tranquilo, e a sua boquinha fazia uma espécie de biquinho de concentração. E a música lavou-me até às lágrimas e eu não percebo como pôde um principezinho emocionar-me tanto. Uma grande plateia de gente grande e toda a gente comovida com a imensidão de um menino tão pequenino.

3 comentários:

Anónimo disse...

Nesse mesmo dia, durante a tarde, o pequeno Cezar Nikolai fez o seu pequeno recital durante a sua última aula da masterclass. Eu, como aluna da classe de violoncelo, fui assistir, assim como uma quantidade anormal de pessoas (pelo menos para uma aula, onde os espectadores nunca passavam a meia dúzia). Quando cheguei, já tinha começado a tocar. Fiquei petrificada, a observar, a sugar, a beber a música que saia daquele menino, sempre tão contido, tão cumpridor, tão tímido! Vi tudo através da porta de vidro. Muito compenetrado, ajeitava o violino vezes sem conta, ansioso por começar. Já dava balanço com os pés, até que finalmente se lançou. Quando terminou, dei por mim a tremer ligeiramente, batia palmas. Vi o olhar de orgulho do pai, do professor. O olhar de admiração de todos os outros...presumo que fosse também o meu! Fui estudar o meu violoncelo (nessa altura pareceu-me tão pequenino, em comparação com aquele gigante violino), não sei se animada se desanimada. Maravilhada, isso sim, como tu ficaste quando o ouviste.

De facto, marcou-me. Basicamente era isto que queria dizer, mas acho que não me saí muito bem. Apesar de não ser um prodígio, ainda me safo melhor no violoncelo do que na escrita! ;)

Anónimo disse...

;)

no comments... :)

ainda por cima esta é a peça q estou agora a estudar... embora ainda so saiba tocar os primeiros dois minutos e meio... :)

beijo enorme!

Príncipe Myshkin disse...

Eu ouvi este relato em primeira boca, mas lê-lo ao som da peça é, de facto, diferente. As duas experiências, porém, completam-se, para me dar a entender a epifania que deve ter sido, para todos os sentados naquela sala, a pequena criança a tocar. Perco-me particularmente de delícias ao imaginar essa imagem da criança, desamparada, com o seu "pequeno violino", e o empenho humilde - aquela devoção de que só as crianças são capazes, por não esperarem obter nada - do pequeno na execução da peça longa. E a criança é por fim aplaudida pelo silêncio do público espantado. Sinto e vejo nitidamente tudo isto ao ler o teu texto, Rita, como se tivesse uma analepse de uma memória de que me esqueci porque nunca a tive. E conseguir isto, é também, no seu jeito, fantástico.