Há rasgos de génio que nos enchem de espanto.
Há retratos cruelmente lúcidos do que é ser-se pessoa, do que é ser-se humano (e por mais voltas que lhe demos, por mais optimismo que tenhamos, por mais felicidade que toquemos, não há como fugir à lucidez desses retratos…).
Há obras-primas que nos corroem de inveja porque queríamos ter sido nós a criá-las! (e eu que nunca tive aspirações de realizadora de cinema…)
Este filme é em tudo um dos melhores que já vi. Por mais voltas que dê à cabeça, qualquer que seja o prisma, é sempre irrepreensivelmente genial. Vendo-o da perspectiva do argumento (genial), da perspectiva da cenografia (genial), da perspectiva da luminotecnia (genial), da perspectiva do trabalho de actor (genial), da perspectiva de toda a sua concepção (como é que Lars Von Trier se lembrou DISTO?!!!), não encontro nada fora do lugar, nada que esteja em desequilíbrio. É um tratado de filosofia, um tratado de poesia, um tratado de teatro do melhor que há, um tratado da existência (numa visão absolutamente trágica e sem redenção possível) e não há uma única sombra no que toca à perfeição deste filme. E até aí é cruel porque é um filme essencialmente sobre a imperfeição do humano, sobre a sua eterna arrogância e sobre a maneira como as circunstâncias influenciam (determinam?) tudo o que fazemos, não fazemos e deixamos de fazer.
Não tenho palavras. Este é um daqueles filmes que só mesmo vendo. Está lá tudo. Tudo.
(Ah, o carinho por esta caixa preta de experiências, os traços de giz no chão e as transparências de todos nós! Todas as paredes são de vidro e todos os nossos muros são de esponja… Dogville somos todos nós – está-nos no sangue de humanos. Antes fossemos cães e a nossa natureza fosse a nossa natureza e não houvesse maneira de contornar isso…)
5 comentários:
Exprimes com clareza o entusiasmo que me ficou a latejar na garganta_à falta da tua arte para lhe dar corpo. Grande, grande filme! beijo da bia
Bem, eu tenho duas opções: ou resolvo comentar este post, ou não o comento. Prefiro optar pela segunda hipótese, e passo a explicar porquê sucintamente: é que, Rita, se eu começo a falar de Dogville - que eu considero o melhor filme que conheço, então, haverá somente o verbo "começar" e apagar-se-á de todos os dicionários o seu antónimo.
Em suma, urge, sobre isto, que nos encontremos: porque te quero ouvir e porque te quero, se me permitires, falar-te: em resumo, para fazermos aquilo que comummente se chama de dialogar.
(Argh, que vontade, que vontade imensa de falar!)
(PS.: Quando estrear Manderlay em Portugal - na data incerta que a Atalanta Filmes eternamente adia, mau grado o filme ser já de Cannes 2005 - estás convidada a vir comigo (e com um conjunto de outras pessoas que eu me encarreguei de converter a Dogville) ao Porto.)
Ah, não resisti ao reler o teu post! Mas vou tentar resistir ao máximo: estou a lutar contra mim mesmo a cada palavra que escrevo!
Não te vou explicar como o Von Trier se lembrou DISTO aqui, mas, quando falarmos, lembra-me. Quando à luminotecnia o Von Trier foi praticamente, senão mesmo, pioneiro (mas, de resto, há alguma coisa em que o magnífico e digno-de-idolatria Lars Von Trier não seja pioneiro?): ele empregou uma sueca, Asa Frankenberg, como, veja-se, "designer de luz"! Normalmente há o director de fotogografia que, entre outras coisas, trata da luz, mas ter uma pessoa só para isso, especiailizada nisso, ainda por cima, uma rapariga que tinha acabado o curso? É a ela que deves louvar pelo excelente trabalho de luzes (tenho um artigo sobre ela em casa).
Ah, tanto mais que podia falar! Mas calo-me - ou aguento-me até nos encontrarmos. (Já estás a antever nitidamente a "seca" que vais apanhar...)
Bem, parece que partilhamos os três o fascínio e entusiasmo por esta obra de arte! Parece-me bem é que, João, o culpado és tu... quem nos falou deste filme? Quem falou na caixa preta (e o que eu adoro caixas pretas e traços de giz!)? Pois é, senhor aspirante a realizador, tenho de te cobrar uma insónia pois foi esse o resultado imediato que o filme teve em mim. Como não ficar a remoer em tudo aquilo? Como afastar o latejar de que falas, bia, quando o filme mexe com o que de mais belo-horrível existe em nós? Ah, a conversa, a conversa... temos mesmo de conversar sobre isto! :)
Quanto ao Manderley, por norma desconfio das trilogias e dos segundos filmes. Não sei porquê, talvez seja mania. A verdade é que o impacto nunca é o mesmo e as expectativas... as expectativas altas arruinam tudo. Mas como se trata desta trilogia, como se trata de Lars von Trier, como é o seguimento de Dogville, como não ir? Porto, here we go!!! (podíamos alugar uma daquelas camionetas com logotipos a dizer "Lars von Trier we love you!" ou então metíamo-nos no comboio todos com t-shirts iguais a dizer "von Trier fan club"! Até podíamos... mas há algo de americano nesta febre de grupo, nesta adoração das estrelas de cinema, no culto fanático de clubes de fãs... portanto, vamos, mas portugueses e discretos. :)
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