Respirar fundo mais uma vez. Outra. Mais profundamente ainda. Tentar fazer com que o nervoso que prende a minha voz largue o meu corpo através deste suspiro. Fico calma por cinco segundos para voltar de novo ao mesmo. Não faz mal. Penso eu. Eu safo-me. No fundo, safo-me sempre. Como é que uma arte me dá tanto trabalho e ainda é exigente quando a manejo. Traz com ela um largo e espesso manual de instruções que eu vou demorar ainda muito mais tempo do que o que já gastei para o ler. Horas. Horas a fio. Sozinha. Com ela. Com esta arte que exige trabalho e tempo. Seja pelas cordas do violino seja pelas cordas da voz. Duvido sempre dela nestes momentos. Vale a pena esta ansiedade que me oprime os sentidos? Este nervoso que me tira até a força para aguentar os meus joelhos sem tremer? Este zumbido nos ouvidos que ause nem me deixa ouvir mais nada? Vale a pena as horas gastas no meu quarto, submersa em estudo? Valem a pena as 13 horas no Conservatório? Valem a pena os momentos de família e amigos que acabo pr perder por causa deste dever? "E agora vamos ouvir uma música chamada O anjo que foi composta por Wagner". Levanto-me. Sou eu. Quase que me encosto à curva delgada do piano de meia cauda e firmo a mão no tampo. Assim sinto-me segura. Troco um rápido olhar com o pianista... Estou pronta. Soam os primeiros acordes e eu entro. Meio torta no início, a voz falhou-me (maldito frio), mas endireito-me. Penso no que canto. No anjo com que eu sonhava quando era mais miuda. Momentos mais leves, momentos mais pesados, mais ansiosos, mais pacíficos... tento passar o que sinto ao público através desta arte matreira. Acabo. Pelas palmas, vejo que consegui. Boa. "Cada palma que se ouve do público são 375 lágrimas choradas por nós em casa", já dizia o meu mestre. É verdade. É mesmo verdade. Voltei ao meu lugar. Vale a pena. Definitivamente, vale a pena. Como pude chegar a duvidar?
terça-feira, março 20, 2007
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3 comentários:
Lembro-me de ouvir pela primeira vez a música "20000 seconds" dos K's Choice, interpretada e tocada por ti em casa da Sofia Grilo. Na altura era um jovem apaixonado que adorou a música que tu tocaste na perfeição.
Hoje ainda sou um jovem apaixonado que adora música e sofre de um nervosismo semelhante... Não sabe interpretar nenhum instrumento musical, não tem boa voz, apenas fica nervoso com os desafios da vida. Vejo as "orais" e os exames como concertos musicais, onde estou em cima da plateia e tento interpretar algo para impressionar um público esquisito.
E não sou aplaudido.
Vale a pena. Vale mesmo a pena!
Eu fico sempre não será triste, mas amargo quando leio estes textos. Como se tivesse mau perder (que nem julgo que tenha, ou seria difícil viver com todas as apostas que perco no meu vício do jogo). Desde que troquei o teclado do piano pelo teclado do computador, as notas pelas letras, a música pela escrita, que há uma pena imensa em mim instalada. Não nego que uma das principais razões para abandonar a música, a par com a eterna falta de tempo e a muito importante mudança para Coimbra, foi precisamente o nervosismo que me assaltava profundamente não apenas nas chamadas "audições" mas muito também quando, em casa, treinava e não conseguia o trilo perfeito. Ai, Leonor!, faltava-me a tua maturidade de cantora, a tua firmeza de profissional, o teu sonho! Hoje, no outro dia, voltei a tocar, secretamente (por isso, não o digas a ninguém), quando estava sozinho em casa, uns Czernys (apesar de não tocares piano, calculo que saibas ao que me refiro), muito simples. Tenho saudades da música, se não só a ouvir (por vozes como a tua), mas de a criar eu mesmo da ponta dos meus dedos.
Argh, isto acabou por se tornar num desabafo lamechas e nostálgico: esquece o que aqui escrevi.
Senhores e Senhoras, ouçamos Leonor!
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