sexta-feira, março 16, 2007

A felicidade é a minha vizinha de cima

Comprador: Boa tarde.

Vendedor: Boa tarde. Em que posso ajudá-lo?

C: Queria 2kg de felicidade, por favor.

V: Desculpe?

C: Queria 2kg de felicidade.

V: Felicidade? O senhor não estará equivocado?

C: Não, não – apenas desejo comprar 2kg de felicidade.

V: Sim, mas nós não vendemos felicidade.

C: Não?

V: Não.

C: Ah.

V:

C: Então como explica a placa lá fora?

V: Qual placa?

C: Aquela placa ali ao pé das maçãs: “Há felicidade”

V: O senhor só pode estar a brincar comigo…

C: Por amor de Deus, não!

V: Ó homem, deixe lá Deus que Ele não é para aqui chamado. O senhor não vê que isto é uma mercearia?

C: Vejo, mas a placa não engana ninguém: aqui vende-se felicidade. Quanto custa?

V: Já lhe disse que isto é uma mercearia! Se quiser maçãs, laranjas, bananas, couves, ovos, bolachas… tudo isso eu tenho para dar e vender. Sobretudo para vender. Agora felicidade…. Ó homem, se se vendesse felicidade não haveria nem um grama em stock e toda a gente andava para aqui com sorrisos parvos na cara!

C: Isso quer dizer que não vende mesmo felicidade?... Mas e a placa?

V: E ele a dar-lhe com a placa… Lamento desiludi-lo, mas aqui – nem que eu saiba em lado nenhum – não se vende felicidade. Agora a placa… a placa! Às tantas pensou que viu a placa e agora está convencido que a viu mesmo! Se quiser vamos lá fora confirmar que não há placa nenhuma.

C: Pronto, deixe lá a placa… eu só queria mesmo era um bocadinho de felicidade… sabe, ando tão abatido, tão em baixo… os meus amigos dizem-me todos que eu tenho que me animar, que tenho é de pensar positivo… eles têm razão mas eles não sabem…

V: Pois é, pois é, toca a todos. E olhe que há quem esteja pior, há quem esteja pior….

C: Duvido. Não imagina como me sinto… a minha vida é um pesadelo. Nem imagina o difícil que é ser eu… eu só queria um cheirinho de felicidade… nem precisavam de ser 2kg, bastava-me um bocadinho…

V: Pronto, homem, não fique assim! Olhe, fazemos o seguinte: eu tenho aqui uma garrafinha de vinho que é uma maravilha. É a mais cara que tenho aqui, mas como o senhor está tão abatido, até lhe faço um desconto. O senhor leva uma garrafinha e se quiser leva até um queijinho – o senhor gosta de queijo? Ah, óptimo, óptimo, estou a ver que é boa boca! – e fica metade por conta da casa. Está a ver, afinal é o seu dia de sorte! Vai para casa, come e bebe este petisco e olhe que até fica com a barriga cheia de felicidade!

C: É muito generoso da sua parte… tem a certeza?

V: Veja lá, não me faça mudar de ideias! Olhe que eu nem me conheço, já se lá viu eu alguma vez oferecer meia garrafa de vinho… aproveite, aproveite homem que não sei o que me deu hoje.

C: Já que insiste… não é que tenha muita fome, mas um queijinho sabe sempre bem. Vai ser uma boa surpresa para a minha namorada.

V: Está a ver, até já fala em mulheres! Assim é que eu gosto!

C: É, a minha Paula é muito importante para mim… Coitada, ela sofre muito com a minha infelicidade…

V: Pois é, homem, é para o bem e para o mal. Andamos cá todos uns para os outros, não é? Mas olhe que era o que eu lhe dizia há bocado, ainda bem que assim é, acredite. Já viu o que era se andássemos sempre a saltitar de alegria? Caramba, nem quero imaginar! Se a minha Dulce não tivesse crises de irritação eu não tinha um momentinho de descanso… Mas olhe que eu também não sou fácil, está a perceber?... Também sou de mau génio e às vezes também me arrasto para aí muito infeliz. É a vida, homem. A infelicidade de uns é a felicidade dos outros.

C: Não percebo como pode dizer isso… Eu não fico feliz por os outros andarem infelizes, eu fico infeliz é por andar infeliz… e também tenho pena que os outros andem infelizes e isso faz-me sentir ainda mais infeliz. Por isso é que eu acho que deveria haver felicidade para dar e vender. Sobretudo para dar, porque a felicidade deveria ser gratuita…

V: Ó homem, como se houvesse alguma coisa grátis neste mundo!

C: Ah, o senhor é um daqueles pessimistas iluminados. Olhe, antes eu conseguisse ser assim também… mas eu sou um pessimista que anda sempre na escuridão.

V: Deixe lá, homem, há sempre um queijinho para iluminar o caminho. E quando não há queijo, há presunto! Prefere de cabra ou de vaca?

C: Hum… não sei… talvez de cabra…

V: Ah, é cá dos meus! Eu também prefiro de cabra, é mais intenso, mais saboroso. Então vá que já lhe arranjo o embrulhinho. Está a ver, não comprou felicidade mas leva aqui um belo pedaço de queijo!

C: É verdade, é verdade…

V: Vê, até já leva um sorriso na cara!

C: Sabe, ainda bem que passei aqui. Espero não tê-lo incomodado.

V: Ora essa, homem, não incomodou nada!

C: Depois digo-lhe o que achei do queijo.

V: Fico à espera. Para a próxima leva outro!

C: Combinado. E já agora, quanto custam dois dedos de conversa?

8 comentários:

Ricardo disse...

E isto foi em que loja, mesmo?

rita disse...

:) antes tivesse sido numa loja real. Às vezes pergunto-me por que razão não podemos ir a uma loja e pedir uma coisa completamente estapafúrdia. Um dia ainda hei-de fazer isso...
Claro que se der mau resultado posso sempre começar a babar-me no chão e talvez não seja má ideia ter alguem por perto que confirme o meu estado de loucura! Tipo incapacidade acidental... ou qualquer coisa assim.

Ricardo disse...

Há algo ainda melhor: quando estiveres em pleno centro comercial e falarem no altifalante, põe-te de joelhos com as mãos nos ouvidos e a gritar: "AS VOZES!! OUTRA VEZ AS VOZES!!"

Obtêm-se reacções hilariantemente inpagáveis.

Ricardo disse...

impagáveis* (o 'm' está mesmo ao lado do 'n' no teclado, foi um lapso do dedo)

rita disse...

eheh! dessa nunca me tinha lembrado! Estou a imaginar a cena... deve ser mesmo hilariante!
Tenho de experimentar! :)
beijinhos

Anónimo disse...

Hà também a possibilidade de entrar nos probadores duma boutique e começar gritar "EHI!!! ACABOU O PAPEL IGENICO!!!" :^D
Hoje os teus contos estao a levar-me mais de dois quilos de felicidade!! Obrigado, Rita!

Um outro beijao!

Ale

Príncipe Myshkin disse...

Ou, da próxima vez que fores ao cinema ver o Senhor dos Aneís, a meio do filme perguntares alto: "Então onde é que está o Harry Potter?".

Piadas de mails à parte, penso que me posso dar ao luxo de responder à pergunta com que concluis:
- E já agora, quanto custam dois dedos de conversa?
- Uma assinatura de ADSL e um browser para ir ao (con)vivências.

É realmente uma pequena conversa pautada de tristeza de um real que não é e podia e era tão bom e desejava que fosse assim. Muito bom (começo a ser monótono-repetitivo nos meus comnetários, não? Vê lá se escreves uma coisa má, para dar mais vida a isto...)

rita disse...

Obrigada. Os vossos comentários dão-me uma quantidade considerável de felicidade. :)