As montras são todas lindíssimas, cheias de luzes de todas as cores, muito modernas, muito in. Nelas pairam corpos esculturais sem cabeça, que exibem casacos muito fashion e calças de ganga afuniladas em coxas esbeltas. Os preços são mais baixos numas, mais altos noutras mas o IVA é sempre a 21%. E o imposto uniforme sobre o valor acrescentado é tão uniforme como a uniformização da moda e dos padrões de beleza.
Em todas as lojas de um qualquer centro comercial encontram-se as mesmas peças, com ligeiras variações. Consomem-se em massa peças de roupa todas iguais que pairam nas ruas em corpos diferentes, e que caminham todos contentes porque afinal são iguais. O problema é que a cobertura não muda o recheio do bolo e não é por usarmos as mesmas roupas que temos corpos iguais.
Mas a verdade é que lá estão os manequins nas montras, lá estão as beldades nos filmes e nas séries a exibir-nos formas perfeitas, dimensões irrealistamente proporcionais. Os deuses gregos caminham neste Olimpo de perfeição computorizada e a sociedade mastiga esse ideal de beleza e cospe-o sob a forma de imperativo. O imperativo 34.
Claro que há imensos tamanhos, todos sabemos isso. Mas os tamanhos variam imenso e de cada vez que levo dez pares de calças de ganga para os provadores e saio de lá sem que nenhum me tenha servido apetece-me esganar todas as modelos do mundo. O imperativo 34 é omnipresente e, mesmo quando os pares de calças são maiores do que isso, está lá. Desconfio até que começaram a fazê-las mais pequenas só para nos fazer sentir gordas. Marotos!
Preocupante é quando uma ida às compras como esta arrasa as pessoas. Preocupante é quando o imperativo 34 leva a anorexias e a bulimias ou meras baixas auto-estimas e vergonhas de si. Preocupante é não sermos capazes de perceber a riqueza da diferença e a beleza da individualidade dos corpos.
Sempre que vou às compras e me sinto ameaçada pelo imperativo 34, apetece-me abastecer a minha despensa de bolachas e chocolates e ir vegetar para o sofá: obedeço ao imperativo do prazer momentâneo (que depois sedimenta sob a forma de culpa na barriga e nas pernas) só para deitar a língua de fora ao imperativo 34!!!
Aqui está um bom exemplo da beleza perfeita e computorizada!
A campanha da Dove "Por uma beleza real" foi a melhor campanha publicitária dos últimos tempos. Só é pena que iniciativas como esta, que são verdadeiramente de louvar, sejam tão raras...
4 comentários:
Vi o vídeo 2 vezes, para ter a certeza de que tinha visto bem.
É por isso mesmo que gosto dos dias de férias em montes desterrados, com caminhos incertos.
Há tanta coisa que tem dificuldade em lá chegar...e outra tanta que se encontra quase sempre por lá.
É um mundo de ilusão...
E quando a ilusão se vai... (Des)ilusão.
O pior é que a maioria tende para se desiludir primeiro para depois se iludir com coisas tipo imperativos 34.
bjs
Rita Lemos:
Eu também vi o vídeo várias vezes (e de boca aberta).
Os seus dias de férias em montes desterrados fizeram-me lembrar caras de pinóquios de narizes e carinhas castanhas de terra. E se estes padrões de beleza se fazem sentir cada vez mais cedo, é giro ver como se desvanecem por uns dias longe das cidades. :)
Advocat:
Concordo (mas não me conformo). :)
Só que nós vamo-nos deixando iludir... e a certa altura deixamos de perceber onde é que está afinal a ilusão (nos outros? em nós? em todos?)...
Eu não conhecia esta campanha: é de facto das melhores coisas que já vi a nível de anúncios.
Ainda no outro dia, a Cultura Romana, estivémos a discutir sobre o ideal de beleza hoje na nossas sociedade. A professora defendia que nos estávamos a aproximar da "kalogathia" grega, isto é, "belo e bom", beleza física e intelectual. A parte triste é que, como eu apontei, mesmo essa parte intelectual é ela própria somente uma aparência: as pessoas não querem ser, de facto, inteligentes ou fazer um esforço para isso, querem antes dar ares de inteligência: «dar ares», é o bastante - e o mais que conseguem também.
Com isto já me desviei do Imperativo 34 e das modelos. Não sei se já leste algo de Chuck Palahniuk, o autor do "Fight Club". Eu não (acredito que te estejas a rir com esta minha confissão depois da pergunta), mas há um livro dele, "Invisible Monsters", que começa com uma modelo a ser atropelada e a dizer que pouco se importa de estar completamente desfigurada, porque não está lá ninguém para a ver. Penso que isto representa o cúmulo da sociedade de ilusão, em que já nem sequer se procura ser bonito por si, para se agradar a si mesmo, mas para agradar os outros - logo, também, como aquela modelo bem pensa, se os outros não estão presentes, pouco importa se estamos completamente desfigurados.
O triste, o mesmo triste, é ver tantas raparigas (e não só raparigas), como carneiros, a deixarem-se enganar pelas ilusões das multinacionais e da indútris do cinema. Mais que triste, é trágico.
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