Às vezes as pessoas parecem-me enormes portas amarelas, com faces estendidas ao sol e arestas escondidas na sombra. Não percebo ao certo as partes que as assombram, nem quais as zonas que querem iluminar. Em certas portas, pergunto-me se o que a luz ilumina não é apenas a face mais tangível dessa fresta e se o que de mais interessante há nelas não está remetido para o canto mais escuro. Sei que existem varandas de prata com janelas abertas para o mundo. E uma imensidão de portas de todos os tipos…
Há muitas portas fechadas, muitas portas escondidas nas sombras. Nessas, quase tudo é insondável. As fechaduras existem, mas as chaves estão guardadas a mil chaves num qualquer recanto inacessível aos outros.
Há também portas tão iluminadas e tão proclamadamente abertas que se nota sempre a camada de verniz. Ou o código de barras colado na testa. E essas fazem bip quando passam na máquina do Jumbo e os donos das portas ficam todos contentes porque encaixam nas dobradiças da sociedade.
Há ainda portas que se ficam pela parte solarenga, que têm maçanetas de ouro, que se vestem todos os dias e arranjam o cabelo e se maquilham e aquecem a voz e põem a máscara e entram em cena para mais uma representação.
Há portas que têm medo de sair à rua e por isso deixam-se enferrujar nas traseiras da vida com medo do que as outras portas acharão delas. Encolhem-se debaixo da eterna tempestade em que vivem com medo de perder a única coisa que têm: elas próprias.
Há portas que nadam à superfície. E sofrem com as bolhas de água que nascem e morrem no mesmo dia, sem nunca questionar o borbulhar dessa água em que nadam despreocupadamente.
Há portas duras de sentido.
Há portas que se pavoneiam todos os dias.
Há portas que se adoram.
Há portas que se pensam portões.
Há portas que se vêm postigos.
Há portas que chiam.
Há portas que sabem tudo.
Há portas grandes,
Portas pequenas,
Portas altruístas,
Portas megalómanas,
Portas tímidas,
Portas zangadas,
Portas entreabertas,
Portas assustadas,
Portas enferrujadas,
Portas impulsivas,
Portas raivosas,
Portas amargas,
Portas cheias de si,
Portas vazias,
Portas preocupadas,
Portas descontraídas,
Portas verdes,
Portas utópicas,
Portas inseguras,
Portas medrosas,
Portas maduras,
Portas indisciplinadas,
Portas arrumadinhas,
Portas escancaradas,
Portas irritadiças,
Portas de vidro,
Portas inchadas,
Portas tristes,
Portas assim,
Portas assim,
E assim,
E assim,
E assim…
Só não há portas certas e portas erradas.
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