quinta-feira, dezembro 28, 2006

Cozinha económica

Lá fui eu. Mais uma vez. Com um sorriso a rasgar a minha cara ao meio. Fui estar umas horas com quem tem frio na noite de Natal. Com quem não tem o calor da família. Não tem o calor do afecto. Não tem o calor do presente que é presença de alguém. Não tem o calor da lareira. Não tem o calor da casa. Tem frio. Na noite de Natal. Entrei na sala exígua, que foi enchendo à medida que a fome ia conduzindo até ali os passos de todos os que tinham frio naquela noite, onde já soavam os acordes de umas melodias de Natal gravadas no automático. Primeiro olhavam-se calados. Meio desconfiados. Ou envergonhados. Depois lá veio a "Laurindinha" e o "Não te encostes à parreira" e aquela senhora mais animada e que tranpirava energia arrastou alguns para um pézinho de dança. As barrigas começavam a estar demasiado próximas das costas. Davam horas. Fomos subindo para a sala. As mesas já estavam postas. Cheirava bem. Os lugares foram todos ocupados num instante. Agradecemos a comida. No momento seguinte os pratos brancos ganhavam cor, textura e cheiro, para rapidamente se voltarem a mostrar brancos, agora mais sujos de azeite e abrigando algumas espinhas. Olhei tantas caras. Falei com tantos. Troquei olhares. Alguns eram meio malandros. Não liguei. Até achei graça. Fiquei feliz por ver rostos animados. Fiquei feliz por saber que as lágrimas com que alguns salgavam um pouco mais o bacalhau caiam de alegria, por agradecimento, e não tanto por tristeza. Essas, se calhar, estavam reservadas à almofada. Mas pelo menos naquele momento, eram lágrimas felizes. Fiquei feliz por conseguir deixar o meu cantinho, por ter frio, só por umas horas, para que outros conseguissem ter calor, mesmo que só por algumas horas. Depois despedi-me. Prometi voltar. Fui para o meu forno. Sem sentimentos de culpa. Não é preciso esquecer-me de mim para conseguir aquecer os outros. E também não é preciso esquecer-me dos outros para conseguir aquecer-me a mim.
Terá tudo isto algum sentido?...

2 comentários:

Sérgio Lopes disse...

Creio que sim.
Feliz 2007... com sentido :)
*

Tiago Madeira disse...

todo o sentido, sem dúvida!
beijinho