O pessoal do teatro faz coisas muito esquisitas. Há quem diga que são todos uns freaks e que cheiram mal e que se enrolam nas próprias mortalhas, perdendo-se na vida. Não sei se encaixo nalguma parte deste perfil estereotipado – provavelmente cheiro mal.
Independentemente do estereótipo, sou uma apaixonada pelo teatro. E uma das (muitas) coisas boas do teatro universitário é que é um lugar fantástico para encontrar pessoas muito diferentes. Não só encontrar, mas sim, e sobretudo, conhecê-las com uma profundidade que é difícil na vida frenética do dia-a-dia.
Tenho muitas vezes a sensação que visto de fora isto do teatro é muito esquisito, como esquisitas parecem as coisas que fazemos. Há, por exemplo, um exercício de contacto muito simples; básico, na verdade, para explorar aspectos relacionados com a interacção dos actores, com a cena e contracena: duas pessoas sentam-se uma à frente da outra e olham-se nos olhos. Numa primeira fase, concentram-se apenas em encontrar aspectos desagradáveis na cara da pessoa em frente. Numa segunda fase, ambas as pessoas se concentram unicamente em descobrir aspectos agradáveis na outra.
Aparentemente palerma, este exercício conseguiu pôr-me a pensar em coisas bem para lá da cena e contracena. Porque o teatro só me interessa porque me interessa a vida e porque me interessam as pessoas. E não faz sentido sem isso.
Participando neste exercício, foi muito interessante perceber de que maneira a predisposição com que olhamos para o outro altera realmente (até certo ponto, é certo) aquilo que sentimos por ele: se realçarmos os aspectos desagradáveis ou inestéticos, sentimos uma certa repulsa, uma irritação, um desejo de distância. Por outro lado, se repararmos nos aspectos agradáveis, sentimos uma espécie de pequena euforia, uma sensação de bem-estar e de afecto pelo outro.
Visto de fora, foi verdadeiramente engraçado ver as caras das pessoas nas duas fases do exercício. Na primeira, os rostos estavam fechados em si, sérios e enrugados, agressivos. Na segunda fase, as caras estavam sorridentes (as pessoas começaram mesmo a sorrir! Com os olhos, com a boca, com o nariz!), descontraídas, abertas.
Mais tarde, de mansinho e quase sem me aperceber, transpus isto para o meu dia-a-dia. E fui-me apercebendo por que é que há dias em que é fácil e agradável a interacção com os outros, e dias em que é difícil e dolorosa, para nós e para eles.
Se olharmos para os outros focando-nos no que eles têm de agradável, não só sentimos imediatamente mais prazer em conviver com eles, como toda a nossa expressão muda, tornando-se também ela mais agradável e receptiva aos outros. Pelo contrário, naqueles dias de impossível mau humor, em que só vemos aquele lábio irritante e aquele nariz horrível, sentimos repulsa pelo outro, pelo que os nossos sinais vão ser negativos, estaremos mais fechados, mais agressivos, mais enrugados e sérios.
Obviamente, há toda uma imensidão de coisas, para além destas, que influenciam as nossas relações com o outro, e essas não as alcanço através de um mero exercício despretensioso como este. Mas não desvalorizo o que aprendi com ele. E, por isso, quando sinto que estou com menos paciência para as pessoas (ou seja, que estou mais centrada nas minhas umbiguices do que atenta às umbiguices dos outros), procuro fazer um esforço por olhar para os traços agradáveis daqueles com quem convivo. Tento observá-los pelo canto do olho (porque na nossa sociedade é difícil olhá-las durante muito tempo e com a atenção devida) e captar o que de belo existe neles. Foco com foco sincero aquele sorriso que me cativa e assim vou buscando um qualquer lado bonito das pessoas – até o feio.