Capas aos ombros, pastas na mão, grandes manchas negras de estudantes praxam caloiros. As mesmas canções, as mesmas brincadeiras, os mesmo gritos, as mesmas maneiras de "acolher" os estudantes que entram agora na Universidade. A alta da cidade enche-se de sons e movimentos, de cerveja, traçadinho e muitas bocas sequiosas são pela primeira vez apresentadas à arte de bem beber. E rastejar.
Os morcegos mais fanáticos já têm os seus caloiros e quem sou eu para julgar as suas escolhas? Gostava de conseguir olhar para a praxe com magnífica simplicidade, mas não consigo. É-me impossível olhá-la de um só lado… Vejo um misto de várias coisas: relaçõezinhas de poder e de afirmação do eu num grupo (ainda que o grupo seja gigantesco e gigantescamente hierárquico); espécie de ritual de entrada em que é quase inevitável desaguar; conservação da tradição (a todo o custo?...); iniciação genuína ao espírito boémio da vida académica da cidade; alguma interacção entre os caloiros… e depois vejo sempre um lado divertido e um lado abusivo (e por isso polémico), que depende sobretudo de que lado se está: divertido se se está do lado dos doutores, abusivo se se está do lado dos caloiros. E mesmo assim ainda depende.
A sensação de que já não nos podem tocar é estranha. Porque é um não poder ao mesmo tempo desinteressado e distante (não querer?). Quase como se a praxe fosse uma espécie de uma redoma em que os caloiros caem, uma redoma com muitos espinhos, é certo, mas que deixa de existir assim que os caloiros deixam de ser caloiros. Como se os doutos doutores fossem plenamente independentes e auto-suficientes (e não são, ninguém é…). E como se deixassem de ser motivo de interesse por parte dos estudantes mais velhos assim que ganham autoridade para praxar.
Não estou a condenar a praxe. Também não a exalto. Mas às vezes dou por mim a imaginar o que teria sido e seria agora diferente se tivesse ido para um ensino superior sem praxe. Seria melhor? Seria pior? É absurdo perguntar isto, mas a verdade é que continuo a ter a visão turva em relação à praxe. Não acho que seja “maçã com bicho”, como reza a canção de Sérgio Godinho, mas também não lhe acho assim tanta graça (é que “há quem ache [muita] graça à praxe”).
O mais interessante é que, (e posso estar completamente enganada, mas é um risco que todos corremos a toda a hora), não me seria estranho se houvesse maneira de concluir que grande parte dos estudantes que passam pela Universidade de Coimbra são relativamente indiferentes à praxe: isto é, entre a minoria de fanáticos e a minoria de antis, há uma grande gama de pessoas que se sujeitam a ela, que a fazem, que a vivem mais ou menos intensamente, mas com um sentimento geral de relativa displicência. E é assim que a tradição continua, e é assim que a tradição se repete… pelas nossas mãos.
1 comentário:
sinceramente já ando um pouco farta para aturar as cenas da praxe.
tanto o lado dos "doutores" que manifestam os seus fantasmas/ carencias atrás do logotipo "é a praxe", como também da falta de personalidade da maioria dos jovens actualmente que a unica coisa fixe nesta vida é ficar bebado, dizer umas bacuradas e passar umas boas curtes.
ate que ponto nao se é mais "doutor" ou, doutor de verdade, ao tentar integrar uma pessoa.
nao digo que copos, curtes nao sejam cenas interessantes, mas afirmo que isso nao é a vida.
definitivamente não concordo com a maior parte da praxe que se faz em coimbra. é absurda, desrespeitadora da personalidade, da pessoa... pouco ou nada integrante e promotora do crescimento individual e colectivo.
tenho dito.
(já agora, também se podia discutir ate que ponto o ensino universitario nos dias actuais promovem o desenvolvimento intelctual da pessoa ou simplesmente a sua memoria a curto prazo... =S)
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