quarta-feira, setembro 27, 2006
Impressão
Um palco só (ou dezasseis anos)
sábado, setembro 16, 2006
carta
Recebi-a e sentei-me. As minhas pernas falharam-me naquele momento em que devia ter ficado firme e fingir-me segura. Mas estava só. Não me ralei. Fechei os olhos e mantive-os assim, bem fechados, com força, ao ponto de as pestanas de cima e as de baixo se colarem, misturarem e confundirem. Sentia o papel liso, escorregadio, lustrado, macio, nas mãos. Tinha uma vontade louca de abrir o envelope, uma curiosidade que me esmagava e me abandonava algures entre o querer saber e o preferir almofadar-me na ignorância. Percorri com os dedos a fina incógnita... sim, era fina. O envelope não era gordo nem recheado. De certo modo, até era como ele. Ele também não era gordo nem recheado. Era fino, oco por dentro, sem nada que o enchesse, sem nada que lhe pesasse, que o fizesse pesar. Passava despercebido. Só me apaixonei por ele porque o destino mo apresentou e pediu que o abrisse... Nunca o fiz. Casámo-nos mas nunca o abri, talvez com medo de descobrir o vazio que o enchia. Assim como este envelope. Também me passaria despercebido se a D.Lucinda não mo tivesse trazido com um brilho especial na cara e um estranho desenho de olhos. O que me chamou à atenção foi aquele canto do envelope. Aquele cantinho superior direito dobrado. Era uma mania dele! Muito embirrei eu com aqueles cantinhos dobrados que encontrava nos livros, nos jornais, nas revistas, nos panfletos. "Para marcar o que me marca!" repetia ele em resposta, primeiro com palavras, depois só com os olhos e, por fim, com o desprezo. Eu nunca me cansei de lho repetir. Primeiro docemente, depois agressivamente, depois saturadamente e, por fim, cansada. No escuro desenham-se as memórias mais facilmente. Abri os olhos. Era a letra dele. Inclinada para a direita, quase deitada sobre o papel, como se alguém a tivesse soprado ou ela estivesse apenas já cansada, a letra desenhava o meu nome, a noss..minha morada, o nome dele, sem morada. O selo estava torto. Sem dar por isso, abri o envelope. Tirei a carta mas não a abri. Saboreei os últimos momentos que viveria na ansiedade de não saber onde o encontrar, dos anos que passei na angústia amarga do abandono, dos anos que passei sem me conseguir libertar da nossa rotina, dos anos que passei a tentar convencer-me de que voltarias. Finalmente, teria uma resposta. Desdobrei o papel e ela caiu para o chão e rolou, fina, dourada, reflectindo os finos raios de sol que se atreveram a tocar-lhe, desenrolando e abandonando no chão as memórias que carregava, bateu no tapete e parou em quina, para eu a ver bem. O papel estava em branco... o canto superior direito estava dobrado. Não consegui evitar que uma lágrima fina como a aliança que agora me devolvias rolasse também pela minha pele. Pela primeira vez em 11 anos, chorei.
sábado, setembro 09, 2006
Porta entreaberta para o tempo
quarta-feira, setembro 06, 2006
Histórias que fascinam.
Este Verão aprendi uma dessas histórias. Aprendi um história que fez História. O Santo que conheci chama-se S.Francisco Xavier. Este ano celebram-se 500 anos passados desde a data do seu nascimento. S. Francisco fascinou-me. Era um jovem espanhol rico que residia num castelo em Xavier. Era inteligente, astuto, bonito, ambicioso, um óptimo atleta e com jeito para as miúdas. Quando chegou a altura, foi estudar para Paris na Universidade de Sorbonne. Levava a típica vida de estudante... divertia-se com os amigos, bebia uns copos, praticava desporto, namoriscava, estudava. Partilhava o quarto com um amigo de longa data - Pedro Fabro. Certo dia, passa a partilhá-lo também com um estranho homem chamado Inácio, que se vestia de forma andrajosa, parecia bem mais velho do que realmente era, ... e era um grandessíssimo beato. Estava sempre a falar de Deus a Francisco e repetia-lhe vezes sem fim a frase : "De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se depois vier a perder a sua alma". A principio, esta frase não era para Francisco mais do que sinónimo de gastar latim mas começou a ganhar sentido quando os dois começaram a conversar. Através de Inácio, Francisco conheceu Deus, conheceu o essencial, conheceu o caminho que devia percorrer, caminho este que não passava nem pela carreira de Mestre de Artes, nem pela glória de ser um grande atleta, nem pela vaidade de ser bonito mas por se agarrar ao essencial e esquecer o "mundo inteiro", esquecer aquilo que dantes o decorava mas não o enchia. Passava por se juntar a mais uns amigos que partilhavam o mesmo projecto de vida e com eles formar a Companhia de Jesus, seguindo o Seu exemplo. Assim surgiram os primeiros jesuítas. Francisco acabou por aceitar a missão proposta pelo Papa, partindo para a Índia em evangelização. E assim passou o resto da sua vida. Em lugares desconhecidos, com culturas e pessoas de diferentes hábitos e tradições, tocando onde quer que fosse com a palavra de Deus. Dizia, numa das suas cartas, que por vezes, de tanto baptizar lhe doíam os braços ao ponto de nem os conseguir levantar. Ao peito, trazia escrito num papel o nome dos Companheiros e consigo viajava sempre a cruz oferecida por Inácio, diante a qual muitos se converteram. Acabou por levar Deus até ao Japão, onde percebeu que para conseguir cumprir a sua missão teria de ir até à China. Foi precisamente às portas desse império, deitado numa esteira na areia de uma ilha a poucos quilómetros do solo chinês, esperando pelo barqueiro que tardava a vir, amparado num seu amigo e agarrando a cruz de Inácio, que S. Francisco Xavier morreu de exaustão.
Foi com esta sua história que S. Francisco que fascinou.