A versão áudio do texto. Para vocês não terem problemas de vista.
E para não ser sempre a mesma coisa.
"Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida"
A versão áudio do texto. Para vocês não terem problemas de vista.
E para não ser sempre a mesma coisa.
Há pedaços de vida que não têm tempo – só lugares e pessoas com quem fomos extremamente felizes. Esses recortes de felicidade ficam para sempre marcados a ferro num qualquer recanto do nosso ser. De vez em quando lembramo-nos de como foi ser assim tão feliz, estar assim tão bem, tão serena e tão completa, e sentimos saudade desse retalho de vida que não tem tempo – só lugares e pessoas. Ouvimos o que nos diz a sensibilidade e viajamos de volta a essa felicidade desencontrada e desenquadrada, sorrimos com a alma pela sorte que tivemos em viver esses lugares-pessoas felizes. E quando nos perguntam, dizemos sempre que sim, que ainda nos lembramos de como foi amar assim tão loucamente.
("As cartas de amor escrevem-se sempre à noite e deixam-se de molho, num bom caudal de lágrimas, até à manhã seguinte. Depois relêem-se e, infelizmente, rasgam-se. Esqueça-se de as reler e guarde o privilégio da dor maior para depois. Se um dia alguém lhe perguntar, faça de conta que já nem se lembra da loucura que foi amar assim. Diga sempre que sim."
Inês Pedrosa)
“Que quis eu da poesia? Que quis ela de mim? Não sei bem. Mas há uma palavra francesa com a qual posso perfeitamente exprimir o rompante mais presente em tudo o que escrevo: dégonfler. Em português, traduzi-la-ia por desimportantizar, ou em certos momentos, por aliviar, aliviar os outros, e a mim primeiro, da importância que julgamos ter. Só aliviados podemos tirar o ombro da ombreira e partir fraternalmente, ombro a ombro, para melhores dias, que o mesmo é dizer, para dias mais verdadeiros. É pouco como projecto? Em todo o caso, é o meu. O que vou deixando escrito, ora me desgosta, enjoa até, ora me encanta. Acontece certamente o mesmo aos outros poetas, tenham estatuto ou não. Mas comigo, talvez essa oscilação se dê com mais frequência. É que a invenção atroz a que se chama o dia-a-dia, este nosso dia-a-dia, espreita de perto tudo o que faço. É o preço que tenho pago para o esconjurar, pelo menos nas suas formas mais gordas e flácidas.”
Alexandre O'Neill
Sabe bem gozar com a vida, recusar-lhe a vitória demolidora sobre nós, quando as coisas não correm como planeado (quase sempre) e a vida parece uma durona qualquer que se recusa a ser feliz. Nem pensar, não se lhe pode dar uma vitória assim tão fácil: sabe bem ser estupidamente optimista, de uma forma quase ingénua. É para chorar? Sim senhora! Depois das lágrimas, os risos.
O tempo passou mas nós ficámos congelados no momento em que fomos um grupo. Somos outros (estamos mais velhos), mas permanecemos iguais na maneira como estamos uns com os outros. As nossas mudanças, invisíveis para três dias, não mudaram as nossas brincadeiras. Não mudaram as nossas paranóias. Não mudaram o nosso amor pelo teatro, os nossos fantasmas, as nossas palermices. Os nossos vícios e dependências. As nossas limitações, os nossos silêncios, as nossas danças malucas, as nossas vozes, as nossas tensões, os nossos medos. A nossa pancada por fotografias loucas. As nossas mudanças não mudaram isto que sentimos os quatro, isto que nos une aos quatro como irmãos de sangue (da arte que nos corre nas veias) que podemos finalmente ser. Os laços permaneceram intactos e a sensação é estranha. O tempo mudou, mudou-nos, separou-nos, e afinal ainda estamos unidos, ainda estamos ligados.
Seremos velhinhos, casados, solteiros, com filhos, viúvos, sozinhos e sentiremos nós o mesmo uns pelos outros? Irmãos, eternamente irmãos, continuaremos a encontrar-nos pelos quatro cantos do mundo e sentiremos sempre que o tempo não passou por nós enquanto grupo como passou por nós enquanto indivíduos?
O tempo mudou, mudou-nos.
O tempo, afinal, amigos, mudou tudo – mas não mudou nada.