quinta-feira, outubro 04, 2007

"Stabat Mater"

Estas coisas devem ser escritas a quente, sob o efeito do espanto que se fumou ao longo de uma hora e meia (excepto se formos críticos de teatro, mas se formos críticos de teatro não fumamos espanto, fumamos cinismo e haxixe, que assim expelimos o ressentimento por não sermos nós os donos do palco). Infelizmente, esta já não vai a quente. Mas, e daí, talvez seja melhor assim.

Eu nunca gostei de monólogos. Talvez porque, para mim, teatro é conflito, comunicação, intensidade e, embora não seja impossível, é muito mais difícil conseguir isto num palco de um actor só. Claro, há sempre os conflitos interiores, mas os conflitos interiores vêem-se melhor na relação com os outros do que na solidão do palco. E depois tenho sempre a sensação, nos monólogos, de que é uma espécie de exibição egocêntrica do actor, uma montra viva das excelentes capacidades dramáticas de alguém. Isto pensava eu dos monólogos e dos actores de monólogos.

Até que vi “Stabat Mater” de António Tarantino. Ou melhor, até que vi Maria João Luís em palco. E fiquei bêbada de espanto do princípio ao fim. Como é que alguém consegue, com um ritmo impressionante, fazer tudo é que é teatro numa hora e meia e sozinha? Como é que aconteceu ali teatro? Não encontro explicação racional. A não ser uma qualidade impressionante do texto, da actriz, do encenador, muito trabalho, claro, e a conquista, à primeira palavra, do público. Mas mesmo assim, há algo que escapa... talvez porque o teatro nao se presta a análises racionais... Não, não sei definir nem explicar o que aconteceu naquele palco.

Só sei que teatro assim é teatro e o resto é conversa.

2 comentários:

Anónimo disse...

a primeira visita a este blog e ja estou a gostar!
e olhem que não sou grande fã de teatro!
é porque escrevem bem!
gostei muito do primeiro paragrafo deste post!
continua!
mas vai para alem do teatro, escreve sobre outras cenas!

guilherme

ps: da um salto até ao sopadetomates.blogspot.com
le o post mais recente e diz o que axas! bj

Príncipe Myshkin disse...

"Como é que aconteceu ali teatro?"
Esta frase marcou-me. Não tinha ainda pensado no teatro como um acontecimento, algo que, como um deus, subitamente se materizaliza e se revela aos sentidos. Algo que sucede, como uma magia, uma intromissão do sobrenatural na ordem regular e monocórdica do mundo. Antes, o palco está vazio; depois, o palco esá vazio - porém, entre os dois momentos, o teatro acontece, como vindo do nada, para, terminado, ser engolido pela terra (mas não pela memória) de novo.

"Como é que aconteceu ali teatro?"
Essa é, de facto, a grande pergunta para quem viu o "Stabat Mater". Maria João Luis podia ser, eventualmente (deixo isso à consideração dos editores da próxima versão do dicionário), um sinónimo de teatro. Não houve ali um momento de descanso, uma quebra da ilusão dramática - ilusão? Não, aquilo foi, de facto, tudo real. Durante aquela meia hora apenas, existiu, de facto, com o mesmo grau de existência meu ou teu, Rita, uma mulher que não queria vender as suas coisas aos marroquinos e que tinha um filho cá com uma cabeça. Existiu tudo naquele palco menos Maria João Luis: essa, ficou nos camarins enquanto a mulher que está à espera do joão que lhe disse que chegava às dez, a "mater", estava no palco a representar - perdão, a existir.