Hoje é dia de eleições na faculdade de direito.
O teu voto conta!
As eleições são um acontecimento grandioso e espectacular que consegue levar multidões ao claustro sempre deserto de uma faculdade historicamente orgulhosa. Há eleições praticamente durante todo o ano: para a Direcção Geral da Associação Académica de Coimbra, para as Comissões de Curso, para o Núcleo de Estudantes de Direito, para isto, para aquilo…
O teu voto conta!
Desta vez são para o Núcleo de Estudantes de Direito e, durante uma impossível e interminável semana, não se vê mais nada. Em qualquer ponto que o nosso olhar alcance, lá estão os flyers, os cartazes, organigramas, caras e mais caras (algumas total e completamente desconhecidas), autocolantes, porta-chaves, isqueiros, promessas, mais promessas, projectos megalómanos e ideias luminosas. Em nenhuma outra altura do ano há tantas conversas, tantos beijinhos e abraços, tanto contacto entre os caros colegas, futuros juristas. Em nenhuma outra altura do ano há tantos amigalhaços naquele claustro, em nenhuma outra altura do ano se vive uma atmosfera tão intensa.
O teu voto conta!
As eleições são um fenómeno interessantíssimo:
- revelam a fibra dos estudantes que andam adormecidos o ano inteiro;
- estreitam laços entre perfeitos desconhecidos;
- incentivam a comunicação e dão vida a uma geriátrica instituição;
- desenvolvem competências de socialização, de relação interpessoal e, especialmente, técnicas de manipulação e aldrabice;
- promovem o caciquismo e a demagogia e despertam a veia política de um elevado número de estudantes;
As eleições têm ainda o mérito de, ao menos durante uma semana de vez em quando, fazer as pessoas sentirem-se importantes. Quem não gosta de ver aproximar-se um perfeito desconhecido que nunca lhe dirigiu a palavra na vida (e assim que acabarem as eleições deixa imediatamente de o fazer) dar-lhe dois beijinhos entusiasmados e dizer:
“Tu és importante, não te esqueças de ir votar no dia 24!”.
O teu voto conta!
Hoje é dia de eleições na faculdade de direito. Dia de espectacular luxo democrático, ele é o culminar de uma interminável semana de campanha e o advento do sossego. De hoje sairá um novo Núcleo de Estudantes de Direito, cheio de promessas, projectos megalómanos, ideias originalmente luminosas. Sentar-se-á no trono como o fizeram inúmeros grupos de promessas antes dele e acabará por deixá-lo sem que o mundo tenha saído dos eixos. E no fim, as costas do trono estarão quentes, nunca arrefecem porque há sempre promessas a entrar e a sair.
O teu voto conta!
2 comentários:
O tempo escasso não me tem permitido ler os textos que aqui se têm postado e menos comentâ-los (se bem que aquele último poema ainda faz vibrar recordações fortes e grandiloquentes), mas este texto, pela sua aparência (os negritos, os pontos da lista, e acima de tudo o que estava sublinhado a negro) arrastou a minha curiosidade e li-o.
Realmente, estas eleições fazem lembrar as eleições para as AEs no Secundário: são a mesma vergonha, a mesma brincadeira de democracia (e ainda amanhã vamos celebrar o 25 de Abril - pobre sina a dele!). Isto é uma farsa, e o teu texto capta, em jeito não diria irónico ou satirício, mas antes profundamente desiludido e triste e censurador, a palermice que é rainha destas eleições para os Núcleos.
Uma vez eu mesmo, no décimo segundo, cheguei a redigir um manifesto de apelo ao voto em branco contra esta palhaçada toda. É triste, esta hipocrisia que se apodera de todos os cabeça de lista e gosto da forma como sublinhas as promessas "megalómanas" e ocas. E o futuro do país está nas mãos destes, que se lançam, desde jovens, na política. E depois, não querem que eu queira fugir de Portugal... Mas, no fundo, no mundo, o mesmo. Estou a começar a deprimir. (Quando começo a reflictir sobre os problemas do país e do mundo, invariavelmente acabo ou a deprimir ou, em raiva, desejando agir, também eu sonhado megalomanias de acção). Começo a deprimir - ou melhor é calar-me. Desculpa o longo e monótono comentário.
Profundamente desiludida e triste, sim. Deprimida, felizmente, não.
Lembro-me de, num comentário que aqui deixaste, teres dito que, se eu te tivesse conhecido antes, teria conhecido um velho e que, felizmente, agora estavas em pleno processo de rejuvenescimento. Pois eu hoje sinto-me estupidamente velha, estupidamente cansada e até revoltada com todas estas palhaçadas que se repetem se repetem se repetem em todo o lado. Porque o preocupante é exactamente o que tu disseste: estes excelentes políticos que agora fazem piruetas e o pino e se babam pelo caminho até chegar aos tachos são aqueles que, daqui a uns anos, vão estar na cabeça política de Portugal e a fazer exactamente as mesmas coisas mas a uma escala maior (e mesmo assim pequena), só que entretanto, porque têm mais poder, vão ser mais perigosos.
E hoje, dia 25 de Abril, hoje, de todos os dias, irrita-me ainda mais tudo isto. Entristece-me. E eu não conheci outra vida se não a liberdade.
PS: Só para que conste, os teus comentários nunca são monótonos.
PPS: Apesar da tristeza e da desilusão, há sempre lugar para a esperança . Esperança, esperança e confiança no futuro!
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