Ele entrou solene na sala e com ele entrou o silêncio. Sem olhar sequer para os míseros subordinados sentados nas primeiras filas, dirigiu-se majestosamente ao quadro, sobrolho franzido e lábios apertados, numa expressão terrivelmente assustadora. Foi com assombro que o vi pegar num pedaço de giz e, em gestos tremidos e vagarosos, começar a escrever umas linhas numeradas. Quase me vieram as lágrimas aos olhos ao lembrar-me dos stores do ensino básico a escrever o sumário! Oh, saudade!
Pousou o giz e dirigiu-se à secretária de mogno (ou de outra madeira qualquer, mas gosto desta palavra: mogno) onde estavam já comodamente instalados um copo e uma garrafa de água do Luso. Ainda de pé, sempre com a expressão medonha na cara, com as sobrancelhas unidas por uma ruga tremenda e os lábios apertados contra o nariz, onde lhe caem perfeitamente os óculos míopes, ele esfrega com a mão esquerda os dedos da mão direita, embranquecidos pelo pó do giz. E continua o gesto obsessivo até que se senta, pesado, na cadeira reverencial de catedrático. Que excelente dinossauro!
Abre então a boca, descontraindo por momentos os lábios carnudos e avermelhados, e deixa ver uns dentes muito brancos, muito direitos. As suas sapientíssimas palavras atropelam-se umas às outras num magnífico jorro de conhecimentos que, se lhes fizéssemos fast forward, seriam de facto interessantes. Mas não. O único ponto de interesse é quando ele se lembra de dar um ar da sua graça e, esquecendo por momentos o modo solenidade, se ri de uma qualquer coisa que disse, voltando a mostrar o sorriso Pepsodent e alisando a ruga gigante que lhe contorce toda a expressão. Convém só dizer que o seu riso é apenas isto: alisar a ruga entre os olhos e mostrar os dentes brancos. Não há cá sons, nem paragem para os ecos do riso, nada disso! O direito é um assunto muito sério.
Chega o final da prelecção (aula é demasiado banal para o reverentíssimo professor) e ninguém se mexe. Espantada, pergunto ao amigo sentado ao meu lado num tom quase inaudível: “Ninguém sai antes de ele se levantar?” Ele abana a cabeça. Para um lado e para o outro. Meu Deus!
5 comentários:
Engraçado ler o teu texto e ver a cena toda. Como se fosse um filme. Esqueceste-te apenas da parte em que a funcionária se encosta na ombreira da porta a tremelicar, enquanto aguarda pacientemente que ele (Ele) acabe de escrever o sumário no quadro, momento esse em que deposita a folha em cima da mesa e ele assina. Um silêncio tão intenso que se ouve a caneta a riscar o papel.
Pois é, esqueci-me dessa parte! Não gostava nada de estar no lugar da senhora.
Isto é ridículo. Revoltante. Não percebo como é possível não ser possível fazer alguma coisa contra este tipo de ensino (e chamar-lhe ensino é favor).
Ele ficou preso no século passado e ninguém o tira de lá. A prova disso são os, sei lá, quinze? alunos que vão às aulas deles num universo de, quê, seiscentos? que têm a cadeira por fazer (claro que a maior parte não vai a nenhuma aula, mas a esta muito menos). E a cereja em cima do bolo são as 8 positivas em 170 frequências. É RIDÍCULO!!!
Era bom que ele descesse à terra e percebesse que isto não é sinónimo de exigência da parte dele: é pura estupidez (e talvez uma grande dose de sadismo).
Esta era a ponte que faltava para o outro lado?! O lado da repetição dos exames nacionais?!:-)
Adoro ler o teu diário académico. As histórias do meu diário académico também não são muito boas. Deve ser da proximidade dos edifícios! Mas as tuas são, sinceramente, um bocadinho piores.
Olga
:) quem sabe?
Por estranho que pareça, começo a passar é para o outro lado da barricada... esta coisa do direito é mais ou menos como a Coca-cola: "Primeiro estranha-se, depois entranha-se!"
(Claro que senhores como este são outra história... e é por histórias como esta que a faculdade de direito tem a fama que tem)
Isto podia ser um conto de terror. Se o Poe tivesse andado na FDUC, que obras estranhas a sua pena não teria conhecido!
É verdadeiramente inadmissível o que se passa convosco. Estou este semestre a ter a experiência mais parecida com a vossa a Introdução aos Estudos Linguísticos. Agora passo a explicar o que significa "mais parecido": o professor vai-se reformar este semestre, só permite avaliação final, faz aulas essencialmente de exposição. Porém, as diferenças são enormes: está continuamente a dar exemplos de tal fomra que todos o percebem, a matéria é até aceitavelmente interessante, vai-nos perguntando se temos dúvidas e responde às perguntas que colocamos, e, na última aula, imagine-se!, fez um desvio do tema da aula que, a bem dizer, ocupou metade da aula, em conversa simpática com os alunos. Isto não é mais do que um fantasma do teu "dinossauro".
Tenho, sinceramente, muita pena de vocês: vão ser todos canonizados.
Enviar um comentário