No dia 11 de Fevereiro, os portugueses vão ser chamados a pronunciar-se, em referendo, a favor ou contra a “despenalização da interrupção voluntária da gravidez se realizada, por opção da mulher, nas dez primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado.” Eu respondo um convicto e mastigado ao longo de muitos anos Não.
Por detrás desta questão que é levada a referendo como uma "simples pergunta" sobre a despenalização de uma "vergonha nacional", escondem-se questões muito complexas que nos levam a questionar o modelo de sociedade em que vivemos, o modo como vemos a justiça e se ela funciona ou não, a abrirmos os olhos para dramas humanos que, estando tão perto, arrumamos na prateleira do real mas longínquo, a olharmos para o nosso círculo de valores e tentarmos pô-los em prática... questionando-os.
Começo por apresentar dois pontos em que eu penso que os dois lados têm em comum e que acabam por dificultar a escolha dos mais indecisos. Primeiro ponto: o aborto é um mal. É a exterminação de uma vida. Pode não ser pessoa, mas é uma vida humana. Não é um bicho, uma planta, ou (como infelizmente já ouvi alguém dizer) uma víscera. A prova está na imagem que postei no início do texto. É assim um feto de 10 semanas. Apesar de correr o risco de me chamarem piegas, ou de dizerem que sou estúpida ao recorrer a isto, penso que é importante saber-se que é a vida de um ser humano ASSIM que se elimina (e não interrompe). Segundo ponto: ninguém quer ver mulheres presas pela prática do aborto. Saiba-se que, com esta lei, nenhuma mulher foi ainda presa em Portugal por esta razão e que das sete que foram julgadas apenas uma foi penalizada e não se sabe por que razões (pode ter feito um aborto tardio, ou mais do que um,... não se sabe). Estamos todos dispostos a mudar a lei.
O sim e o não divergem quando, depois de termos sangrado discursos defendendo argumentos laterais, se chega à colisão de dois direitos. O direito à escolha da mulher e o direito à vida do feto. Parece-me que, enquanto o sim se centra apenas num dos direitos ignorando por completo o outro, o não faz uma ponderação muito mais razoável, sensata e humana dos dois valores. O não (ao contrário do que dizes, Rita) não quer deixar a lei como está. Eu, que defendo o não, falarei na primeira pessoa, sabendo (porque sou activista pelo não e tive a sorte de poder conversar imenso sobre este assunto com muita gente de ambas as partes) que falo pela maioria dos Nãos. Acho que o aborto clandestino é um problema real na sociedade. É assustador pensar na quantidade de abortos clandestinos que se fazem em Portugal. Penso, porém, que é ainda mais doloroso e assustador pensar no número de abortos que se vão passar a fazer se o sim ganhar. Tanto legais como os ilegais que não desaparecerão. Em Espanha o número triplicou! E pergunto a todos aqueles que dizem comigo que o aborto é um mal, como vão votar numa lei que vai triplicar esse mal? Ou será que o aborto só é mau quando é clandestino? Ou será que o aborto só é sinónimo de morte quando é feito em más condições e na obscuridade? O direito à vida impõem-se imperativamente à liberdade de escolha da mãe. Sem direito à vida, não há direito à escolha. E pergunto mais: defendem o direito à escolha mas só o da mulher! E o do pai? E o do filho? Qual é a justiça por detrás de uma escolha unilateralmente feita, quando há pelo menos mais dois intervenientes que têm uma palavra a dizer e que serão impedidos de o fazer porque a única que se poderá pronunciar é a mulher?
Despenalizar ou não despenalizar. Nesta pergunta que vem a referendo NÃO É a despenalização que está em causa. Primeiro, a pena não desaparece da lei. Se a mãe abortar nem que seja um dia depois do prazo absurdo estabelecido pela lei, será penalizada na mesma. Segundo, está em causa a liberalização. O aborto poderá ser feito por opção da mulher e sem ser necessário mais nenhuma condição. (Não me digam que o Governo já disse que haverá, CLARO, (clarissimo, sim!) cláusulas de restrição ou dissuasão. Porque aí digo-vos que outros políticos também já disseram que se o não ganhar, haverá novas propostas para serem analisadas na Assembleia, mais justas e que estabeleçam um equilíbrio mais justo entre os dois valores em colisão.)Ou seja, o aborto será livre, logo, liberalizado e não despenalizado. Por aqui se percebe que esta não é uma questão meramente jurídica e que como não podemos ver a questão que vai a referendo como uma questão de conflitos de direitos abstractos. Não esqueçamos que atrás de direitos estão sempre princípios, fundamentados em valores. Valores esses que estão assentes na ética. Esta questão tem tudo a ver com a ética.
Votar Não não é querer deixar tudo como está. Toda a gente já acordou para esta problema. Todo o país está desperto e, finalmente, percebe o que se passa tão perto mas tão longe. Esse é um argumento vazio. O não diz que não quer que o aborto seja livre até às dez semanas. O não diz que quer que a mulher tenha oportunidades para ter filhos e que o aborto não seja uma delas. O não concorda com a mudança de lei mas que esta seja uma mudança positiva e optimista! Que seja uma lei justa. A lei que temos agora não funciona e não é justa para as mulheres que continuam a abortar. Mas a lei que, se o sim ganhar, for aprovada não será justa nem para o filho, que morrerá, nem para a mãe, que vai pensar que assim resolve os seus problemas mas que em breve se aperceberá que vai ficar submersa em remorsos e sentimentosde culpa. O país sabe desta chaga social. Os políticos já a conhecem bem. Se o não ganhar a lei será mudada na mesma mas sem injustiças de parte a parte.
Entristece-me pensar que tanta gente veja no aborto a única saída para o desespero de uma mulher que engravidou sem planear nada. As Associações Pró-Vida ajudaram 100.000 mulheres, desde o último referendo. Estes são dados verídicos. Imaginem a quantas mulheres e bebés nnós poderiamos chegar com mais ajudas. Ajudas tanto do Estado como de todas as pessoas que ficaram alertadas para esta questão e que queiram participar. E acho que esta ideia não é idílica. Se tantas associações se formaram independentemente depois do último referendo, quantas mais não se poderiam formar agora! Entristece-me aperceber-me que a sociedade é cada vez mais uma sociedade negativista e que nós, portugueses, que nos aguentámos firmes na decisão de não permitir a pena de morte e o mostrámos orgulhosamente ao mundo, apresentamos o argumento "mas na Europa já quase todos fazem" como muito lógico. Sem sequer percebermos, aliás, que na Europa se começa a caminhar,agora, no caminho inverso e que, arrependidos, há países onde se paga aos casais uma pensão para promover a natalidade. Entristece-me que se uma mulher se vir pressionada a abortar pelo marido, pelo pai dela, pelas más condições económicas em que vive, a resposta mais fácil que ela encontrará será o aborto, oferecido pela sociedade. Fácil, não no sentido de ser tomada em ânimo leve mas fácil como mais rápida e ilusoriamente menos onerosa. Entristece-me pensar que esta lei acaba por ser reflexo de um desespero da sociedade. Que se agarra a este referendo como a única hipótese que tem para não manchar mais a "dignidade das mulheres" (Ainda alguém me tem de explicar como é que o aborto livre confere dignidade às mulheres e, principalmente, saúde.) sem sequer pensar que há mais opções. Reais. Concretizáveis. Bastas querermos.
Basta, a meu ver, votarmos Não. Por amor.
2 comentários:
Por amor de Deus...
NO coment
ui o que eu gosto de anonimos!...
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