segunda-feira, janeiro 22, 2007
Um dia
Um dia acordou e descobriu-se sozinha. Sem rumo, sem rotas, sem metas. Apenas ela. Nesse dia aprendeu o cliché de que é impossível viver sem esperança. E então questionou-se:
– Como pude chegar eu aqui, assim desta maneira? Como foi possível ter chegado até aqui sem nada, com apenas o meu corpo, a minha cabeça, o meu espírito, o meu coração, a minha alma (se é que somos um corpo e uma alma e não simplesmente um todo)? Como foi possível chegar aqui e renunciar a tudo o que me foi ensinado? Como foi possível chegar até aqui sem paredes nem estruturas? Como foi possível ter deixado ruir a minha cabana? Por que renunciei tão prontamente a todas as construções de ferro e aço que me foram impingidas? Por que não aceitei simplesmente tudo o que me deram? Por que não aceitei tudo o que me foram dando sem ousar recusar? Teria sido tão mais fácil… Por que questionei tudo até ao tutano para depois recusar todas as coisas que me foram oferecidas? Por que deixei mirrar as minhas raízes até ao ponto de ruptura? Como foi possível ter deixado calar a minha voz interior?... E agora? O que faço? Como prossigo a partir deste ponto, como reconstruo os meus pilares e ergo a minha casa?
Um dia acorda e descobre-se viva. Sozinha, ainda, mas viva. Sozinha porque somos todos sozinhos, porque não há Amor que nos tire a solidão. Mas viva porque tem consciência de si. Porque se sabe aqui. Viva porque deseja rumos, rotas, metas. Viva porque sente a esperança. Viva porque deseja outras vidas, outros corpos, outras casas, outros portos e caminhos. Viva porque busca a sua verdade. Viva porque se busca, porque nos busca, porque nos deseja – apesar dos medos. Viva porque quer ser útil. Viva porque está activa e parar é morrer. E porque é estupidamente ténue a linha invisível entre o prazer e a dor, entre a lucidez e a loucura, entre a morte e a vida…
Um dia vai acordar e descobrir que valeu a pena. Porque não há esperança se não houver Amor. E não há sentido para nada se não houver tudo isto.
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4 comentários:
talvez porque ser exigente nos faz rejeitar muitas coisas, para que aquelas que sao realmente importantes tenham o devido valor. talvez porque outras opotunidades virao e o Amor nao as vai deixar escapar ;)
maria *
Ainda bem que encontraste o meu blog porque assim também descobri o teu e, apesar de não ter tempo para ler mais nada agora, gostei muito deste post.
Continua o bom trabalho para que eu e os outros possamos continuar a ler*
Não sei se já o disse alguma vez, num daqueles raros comentários que por vezes aqui planto (sim, eu faço parte daquela raça de leitores assíduos que são comentadores esporádicos), mas tu escreves muito bem: acima de uma escrita de amadora, com um raio e uma asa já de poeta. Se prova faltasse do facto, aqui está o texto.
Renunciar a tudo o que aprendemos para podermos construir coisas novas. Como dizia Thoreau: "What old people say you cannot do, you try and find that you can.[...]Practically, the old have no very important advice to give the young, their own experience has been so partial, and their lives have been such miserable failures".
"Everyone dies alone": já viste o genialíssimo "Donnie Darko", do Richard Kelly? Ocorreu-me muito, enquanto lia a tua frase: "Sozinha porque somos todos sozinhos, porque não há Amor que nos tire a solidão."
Neste texto que penso sobre a esperança, porém, o que mais me tocou, o que mais fundo me penetrou, talvez por eu me rever tanto nessa afirmação, é aquela afirmação: "Viva porque quer ser útil. Viva porque está activa e parar é morrer." - sim, temos muito que agir.
Porém, a melhor frase, ah!, a melhor, que me arrancou arrepios: "E porque é estupidamente ténue a linha invisível entre o prazer e a dor, entre a lucidez e a loucura, entre a morte e a vida…": que fantástico!
Sabendo que estou a entrar na esfera do privado, mas já alguma vez escreveste ficções (contos ou prosa ou drama)?
Obrigada pelo elogio (diz uma Rita corada, bastante!) :)
E pelos comentários que de repente puseste aqui nos nossos textos! Foi muito bom encontrá-los aqui,ter um feedback. E ri-me com algumas partes! Tens um humor fino e inteligente.
Quanto ao filme, não o conheço. Mas só pela frase "Everyone dies alone" vou tentar vê-lo quando puder.
Em relação à tua pergunta, não, nunca escrevi ficções. A verdade é que a única vez que tentei escrever alguma coisa a sério para, por exemplo, entrar num concurso, acabei por ser vencida pela preguiça. Nem sequer consegui começar! Mas era um concurso de dramaturgia, não de contos ou prosa.
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