quinta-feira, janeiro 04, 2007

Memórias

Não estou magoada, triste, enraivecida.
Estou só. Comigo e com as minhas memórias.
Remoo tudo. Tudo o que posso remoer.
Tudo o que quero e até o que não quero.
Invadem-me a cabeça
Como um balão que ocupou o lugar do cérebro
e que vai enchendo, enchendo, sem controlo.
Memórias.
Memórias.
Memórias.
Toda a minha racionalidade
se afoga nas memórias.
Umas passam como flashes
Outras chegam como flashes mas
ficam.
Todos os meus planos metodicamente desenhados
para que a fuga ao medo e à dor fosse possível
são sugados por esse balão
cheio
berrante
imparável
avassalador
enorme
das memórias.
Se não as tivesse!
Se não me recordasse de nada
não pudesse trazer nada ao coração
passaria tudo tão mais rápido,
Subtilmente,
soprado pelo vento da alma.
É essa brisa que agora vai enchendo
o balão que há-de rebentar.
depois as memórias sair-me-ão pelos ouvidos,
pelo nariz,
pela boca,
pelos olhos,
até ficar vazia...
... de ti.
e aí, poderei encher de novas coisas a cabeça
respirando novos pedaços de mundo.
sem filtros.

5 comentários:

rita disse...

Com que então sem filtros... não se faz café sem filtros (pelo menos nas máquinas de filtro)! Sem filtros, só me lembro de uma música lindíssima dos nossos amigos tom e vinicius... e de duas míticas onomatopeias: hi hon

"Porque foste na vida
A última esperança
Encontrar-te me fez criança
Porque já eras meu
Sem eu saber sequer
Porque és o meu homem
E eu tua mulher

Porque tu me chegaste
Sem me dizer que vinhas
E tuas mãos foram minhas com calma
Porque foste em minh'alma
Como um amanhecer
Porque foste o que tinha de ser"

Sérgio Lopes disse...

Xiçaaaaa...
Continua... faz sentido!

Anónimo disse...

Minha poetisa...
Como é grande essa tua alma a que chamas cabeça! Quantas chamas é capaz de atear, quantos mares é capaz de cruzar...Como poderia ser mesquinho e pacífico o balão que agora te enche(ou te esvazia...)?
Mas, sabes? És tão grande que nada te enche, tão cheia que nada te esvazia!

Anónimo disse...

sempre as memorias, nor...
talvez o sopro da amizade consiga dar um bocadinho mais de força à brisa da alma e esse balao assustador se torne (nao insignificante porque isso nunca o sera), pelo menos, mais tranquilo.
bjnh, maria

Príncipe Myshkin disse...

Este poema é uma catapulta de metáforas impressionantes: como antes (calma, antes para mim que estou a comentar os posts do mais recente para o mais antigo) desdobravas um rio em sentidos e legendas inesperadas, aqui ramificas sobre a simples imagem do balão que vai enchendo o poema, e não de mero ar, mas de merecida qualidade.
E o final... nada me conduzia para ele, verdadeira surpresa! Verdadeira tristeza: um poema que quase podia ser de raiva, mas não o é; um poema que quase podia ser dramático (e lamechas) e não o é. Um poema sobre o que podia ter sido - e não é.
E tinha de acabar bem, com aqueles dois versos finais espectaculares! Mas comentá-lo seria ser injusto para a parte em que o balão rebenta, que é tão adoravelmente infantil e cómica.

E as memórias, sim, se não as tivéssemos... se não as tivéssemos não seríamos homens. O homem é memória é isso que nos define, mais do que o nosso próprio corpo. E se ficássemos amnésicos? Pena de tudo o que se perderia, como uma porcelana chinesa que ao tropeçar voa, cai e parte.