terça-feira, fevereiro 21, 2006

Advérbio de modo

(Especialmente dedicado ao meu querido jurista... você sabe! :) )

Dêem-me advérbios!
(De modo, claro,
Os mais nobres e monótonos)
Que eu licenciar-me-ei (em) direito!

Pois está claro, senhores juristas,
Ineliminavelmente claro
E precipuamente convincente,
Que a ordem jurídica
É estruturalmente uma figura
Geometricamente triangular;
Além do mais, é inegavelmente óbvio
Que as suas funções, características
E efeitos na sociedade
Não devem ser escandalosamente
Ignorados por quem queira
Fazer-lhes a vontade
E concretamente debitar,
Segundo uma fundamentante
Dogmática intencionalmente pressuponente
(Projectada, obviamente,
Por mediação dos judicativamente
Decidendos problemas concretamente interpostos
Numa objectivada dogmática circunstancialmente
Adequada à especificidade daqueles)
Toda a normatividade inculcada
Nos cérebrozinhos ainda virgens
De todo o Direito circunstancialmente
Proclamado por vós, excelsos juristas.

E é perfeitamente natural, senhores juristas,
De uma perspectiva empírico-analiticamente considerada,
Em termos dialecticamente relevantes,
Que inculcais em nós tão precipuamente
(Antes da falácia e do sofisma)
Esse tão maravilhoso instrumento
Através do qual muito (pouco) subtilmente
Nos introduzis regaladamente
Nesse universo assustadoramente complexo
Que é o juridicamente constituendo;
Pois que seria do Direito
Sem o ineliminável toque
Intensamente sentido
Dos bordões de linguagem?

Ah, senhores juristas,
Sem mais considerações
(Tendencialmente tecidas por
Alguém que relativamente ao
Sentido do Direito naturalmente
Pouco e precipuamente sabe…)
Agradeço antecipadamente
O tão gloriosamente conseguido ensino
Por quem tão anarquicamente pode
Do grande advérbio de modo!!!

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Barroquismo

A pura incapacidade de expressar o que quer que seja quando o cansaço de alma vai para além da explicação racional... Hoje apetece-me dizer tanta coisa e, no entanto, tudo fica preso naquele limiar de boa vontade que existe entre o querer contar e o não conseguir soltar a voz que parece prender-se na garganta. (Releio o que escrevi e parece-me realmente um jogo de palavras sobre uma ideia difusa. Quase me faz lembrar os barrocos do século XVII e o seu cultismo/gongorismo, aquela adoração das palavras exuberantes e magníficas que, por isto mesmo (e como certas pessoas...) são ocas. Claro, numa aproximação rasca do que poderia ser um verdadeiro jogo de palavras gongóricas! Como, por exemplo, este:

"O todo sem a parte não é o todo;
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo o todo." Que foleiro!!!)

O Principezinho e cativar

Foi então que apareceu a raposa.
- Bom dia! - disse a raposa.
- Bom dia! - respondeu delicadamente o principezinho que se voltou mas não viu ninguém.
- Estou aqui - disse a voz - debaixo da macieira.
- Quem és tu? - perguntou o principezinho. - És bem bonita...
- Sou uma raposa - disse a raposa.
- Anda brincar comigo - pediu-lhe o principezinho. – Estou tão triste...
- Não posso ir brincar contigo - disse a raposa. - Ainda ninguém me cativou...
- Ah! Então, desculpa! - disse o principezinho.
Mas pôs-se a pensar, a pensar, e acabou por perguntar:
- O que significa "cativar"?
- Vê-se logo que não és de cá - disse a raposa. - De que é que tu andas à procura?
- Ando à procura dos homens - disse o principezinho. - O que significa "cativar"?
- Os homens têm espingardas e passam o tempo a caçar - disse a raposa. - É uma grande maçada! E também criam galinhas! Aliás, na minha opinião, é a única coisa interessante que eles têm. Andas à procura de galinhas?
- Não - disse o principezinho. Ando à procura de amigos. O que significa "cativar"?
- É uma coisa de que toda a gente se esqueceu - disse a raposa. – Significa criar laços.
- Criar laços?
- Isso mesmo - disse a raposa. - Ora vê: por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou se não uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me cativares, passaremos a precisar um do outro. Passarás a ser único no mundo para mim. E, para ti, eu também passarei a ser única no mundo...
- Começo a compreender - disse o principezinho. - Sabes, existe flor...creio que ela me cativou…
- É bem possivel - disse a raposa. - Vê-se de tudo à superfície da Terra...
- Oh! não é na Terra! - disse o principezinho.
A raposa pareceu ficar muito intrigada.
- Então, é noutro planeta?
- É.
- E nesse tal planeta há caçadores?
- Não.
- Começo a achar-lhe alguma graça...E galinhas?
- Não.
- A perfeição não existe...- disse a raposa.
Mas a raposa voltou a insistir na sua ideia:
- Tenho uma vida terrivelmente monótona. Eu, caço galinhas e os homens, caçam-me a mim. As galinhas são todas iguais umas às outras e os homens são todos iguais uns aos outros. Por isso, às vezes, aborreço-me um bocado. Mas, se tu me cativares, será como se o sol iluminasse a minha vida. Distinguirei, de todos os passos, um novo ruído de passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Estás a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? Eu não como pão e, por isso, o trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me fazem lembrar de nada. E é triste. Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Por isso, quando me tiveres cativado, vai ser maravilhoso! Como o trigo é dourado, há-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de amar o barulho do vento a roçar no trigo…
A raposa calou-se e ficou a olhar durante muito tempo para o principezinho.
- Cativa-me, por favor - acabou finalmente por dizer.
- Eu bem gostava - respondeu o principezinho - mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e muitas coisas para conhecer...
- Só se conhecem as coisas que se cativam - disse a raposa. - Os homens, agora, já não têm tempo para conhecer nada. Compram as coisas já feitas nos vendedores. Mas como não há vendedores de amigos, os homens já não têm amigos. Se queres um amigo, cativa-me!
- E o que é que é preciso fazer? - perguntou o principezinho.
- É preciso ter muita paciência. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim, na relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não me dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal entendidos. Mas, de dia para dia, podes sentar-te cada vez mais perto...
O principezinho voltou no dia seguinte.
- Era melhor teres vindo à mesma hora - disse a raposa. Se vieres, por exemplo, às quatro horas, às três, já eu começo a ser feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sentirei. Às quatro em ponto já hei-de estar toda agitada e inquieta: é o preço da felicidade! Mas se chegares a uma hora qualquer, eu nunca saberei a que horas é que hei-de começar a vestir o meu coração...São precisos ritos.
- O que é um rito? - perguntou o principezinho.
- Também é uma coisa de que toda a gente se esqueceu - respondeu a raposa. - É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias, uma hora diferente das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, têm um rito. Dançam, às quintas-feiras, com as raparigas da aldeia. Assim, a quinta-feira é um dia maravilhoso. Eu posso ir passear para as vinhas. Se os caçadores fossem ao baile num dia qualquer, os dias eram todos iguais uns aos outros e eu nunca tinha férias.
Foi assim que o principezinho cativou a raposa. E quando chegou a hora da despedida:
- Ah! - exclamou a raposa – vou chorar...
- A culpa é tua - disse o principezinho.- Eu bem não queria que te acontecesse mal nenhum, mas tu quiseste que eu te cativasse...
- É certo - disse a raposa.
- Mas agora vais chorar! - disse o principezinho.
- Pois vou - disse a raposa.
- Então não ganhaste nada com isso!
- Ai isso é que ganhei! - disse a raposa. - Por causa da cor do trigo...
Depois acrescentou:
- Anda, vai ver outra vez as rosas. Vais perceber que a tua é única no mundo. Quando vieres ter comigo, dou-te um presente de despedida: conto-te um segredo.
O principezinho foi ver outra vez as rosas.
- Vocês não são nada parecidas com a minha rosa! Vocês ainda não são nada - disse-lhes ele. –
Ainda ninguém vos cativou e vocês não cativaram ninguém. Vocês são como a minha raposa era. Era uma raposa perfeitamente igual a outras cem mil raposas. Mas eu tornei-a minha amiga e, agora, ela é única no mundo.
E as rosas ficaram bastante incomodadas.
- Vocês são bonitas, mas vazias - ainda lhes disse o principezinho. - Não se pode morrer por vocês. Claro que, para um transeunte qualquer, a minha rosa é perfeitamente igual a vocês. Mas, sozinha, vale mais do que vocês todas juntas, porque foi ela que eu reguei. Porque foi ela que pus debaixo de uma redoma. Porque foi ela que eu abriguei com o biombo. Porque foi por causa dela que eu matei as lagartas (menos duas ou três, por causa das borboletas). Porque foi ela e só ela que eu vi queixar-se, gabar-se e até, às vezes, calar-se. Porque ela é a minha rosa.
E então voltou para o pé da raposa e disse:
- Adeus...
- Adeus - disse a raposa. Vou-te contar o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos...
- O essencial é invisível para os olhos - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Os homens já se esqueceram desta verdade - disse a raposa. - Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que cativaste. Tu és responsável pela tua rosa...
- Sou responsável pela minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer. (...)

Por mais que saiba este texto quase de cor, por mais vezes que o leia, que o associe a pedaços da minha vida, por mais que reconheça que a poesia que ele me sussurra ao ouvido é um ideal de sentimento puro que não existe na vida real, por mais que o meu eu racional saiba tudo isto, não consigo deixar de me emocionar com esta passagem, e o meu eu sensível não consegue deixar de querer acreditar que as relações humanas são assim tão belas, tão puras e tão lineares... Quem me dera que cativar fosse só isto. Mas eu simplesmente amo o meu Principezinho e não consigo deixar de me sentir a sua raposa...

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Agrafador de sapatos

Ó agrafador de sapatos,
Agrafa, agrafa toda a tua vida
E não te queixes da tua sorte!

(Ah, pudesse eu agrafar sapatos toda a minha vida
Sem que a minha consciência reprimisse a minha sensibilidade!)

Estou cansada pelo cansaço que antecipo
E aqui mortifico todo o desejo de sucesso.
Eu não quero estudar, eu não quero saber!
É este o meu custo de oportunidade?
(Ah, que até já transbordo economia política
por todos os meus poros ainda sãos!)

Que me interessa se é este o custo social da minha especialização?
Que me interessa se agora vivo à custa da sociedade
para mais tarde ser uma trabalhadora especializada
e com maior capacidade produtiva?
Ah, que se lixem Marx e Smith e Ricardo e os fisiocratas
E todos esses parvalhões que teorizaram infinitamente!
Que se queimem todos os papéis e livros e ferramentas
De que se usaram para ficar para a posteridade!
Que eu não quero saber o que explica a passagem do feudalismo para o
[capitalismo!
Que eu não quero saber o que pensavam os mercantilistas e todos os
[istas que por aqui passaram,
Que eu não quero saber quem tem razão!
Que eu não quero aturar ensinos tendenciosos
Nem pensamentos falaciosos
Nem mentes bloqueadas pelas suas próprias crenças!
E viva a liberdade de consciência
E viva a liberdade religiosa
E viva a liberdade de imprensa
De pensamento e de todas as coisas!
Viva a liberdade, viva!
(Ai que me lembro já da liberdade de propriedade,
E do conceito incompleto dos fisiocratas
Que pensaram conseguir explicar tudo
Pela divina fertilidade da terra -
E absolutizaram a propriedade privada
E declararam o homem livre para possuir a terra fértil
Mas esqueceram a liberdade verdadeira do homem
Essa liberdade filosófica
Essa grandeza do Homem
Que é ter consciência da sua liberdade
E estar para sempre condenado
A essa sua condição livre,
E esse gigantesco peso,
A essa enorme responsabilidade!)

Enfim, resigno-me a pagar o preço
Desta minha formação
E decido embarcar no esforço doloroso e difícil…

E secretamente, desejo regressar ao passado,
Desejo vestir-me de peles de animais,
Aquecer as minhas mãos frias no calor de uma fogueira tosca
Tremer de frio à noite e enroscar-me regaladamente no meu parceiro.
Recear os ursos e os veados e os animais grandes e fortes e ferozes,
Mas de resto não ter de estudar nem de intelectualizar
E passar o dia a recolher bagas sumarentas
E a tratar dos afazeres das casas frágeis
E viver numa comunidade matriarcal onde seria venerada por todos…

(Ah, a romantização que a distância do tempo permite…
Ah, felicidade que só se sente com a possibilidade e evasão pelo pensamento…
Eu quero ser um esquilo e saltar de árvore em árvore e recolher bolotas 
[e ser feliz todo o Inverno com a minha provisão de sementes.)

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Fragilidades

Adoro esta fotografia, com que me cruzei enquanto folheava o álbum digital das minhas fotografias mais recentes. Acho que é uma metáfora perfeita para a vida, para a(s) nossa(s) vida(s). Cada mão segura uma linha colorida, que é bela por si só, mas ainda mais bela quando junto de outras linha coloridas. A nossa vida é um absoluto na medida em que faz sentido só por si, mas ganha sentidos completamente diferentes quando a partilhamos com outras vidas, quando os fios que seguramos nas mãos cruzam caminhos com os fios que outras mãos seguram inseguras, e quando damos por nós, seguramos nas mãos pequenas bem mais fios do que alguma vez pudemos imaginar e encontramos o nosso fio entrelaçado em mais dedos do que alguma vez seremos capazes de compreender... Lembro-me sempre do meu Principezinho, das sábias palavras que aprendeu da Raposa e de como facilmente esquecemos as verdades mais simples. É pena que se vá tornando num lugar comum... mas eu continuo a gostar da frase: "Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos."

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

É tarde

É tarde, muito tarde na noite, e só agora me chegas a casa. Despes o casaco e lentamente vais despindo o teu dia, teus cansaços, teu corpo abatido. Sentas-te na cama e eu sinto-te pesado, como se todos os males do mundo descansassem em ti. Os teus cheiros são de trabalho e de pessoas e de mulheres que encantaste com essa tua virilidade tão especial… E eu sinto esses teus odores etéreos e não é sem ciúme que te imagino com elas… Estendes-te ao comprido na cama e largas um suspiro. E o meu beijo? Dás-me sempre um beijo quando chegas tarde e eu finjo já estar a dormir só para ter o prazer de sentir os teus gestos de amor, quando me aconchegas os lençóis no pescoço, onde plantas um beijo, e sussurras um sorriso terno como se eu pudesse senti-lo… E o meu beijo, então?

(Ultimamente temos perdido rituais. E com eles a sacralidade da nossa relação. E eu sei bem por que finjo dormir até que chegues e já não é a mesma coisa. Os teus cansaços são para mim banais porque os deixaste de partilhar comigo mas os meus medos são reais e eu tenho medo de nos perder. Terei já perdido?)

Esqueceste o beijo… outra vez. E eu talvez deixe de fingir que durmo e ou deixo-me ficar acordada ou durmo mesmo, num sono fundo e bem real e indiferente. Que me interessa se isto acontece a toda a gente?! A dor é a mesma… nem mais, nem menos… Mas agora abraçaste a almofada e eu até dela sinto uma ponta de ciúme. Saudade... Saudade vaga e profunda daquele abraço em silêncio… E eu agora hesito… E se eu enrolasse o meu braço no teu pescoço? Se eu encostasse os meus lábios à tua orelha sonolenta e aí deixasse escapar levemente um ‘amo-te’ meio forçado? Talvez aí te revoltasses mesmo (e eu contigo…) … talvez aí me afastasses de vez…

(Sei bem que ainda te amo profundamente, mas tenho dúvidas quanto ao teu amor. Não sei o que viste em mim quando nos conhecemos, nem o que nos juntou… mas, oh, eu amo-te sim, Amor… Amo-te e não é sem dor que reconheço este falhanço… Sinto indiferença no modo como me olhas, indiferença nas respostas às perguntas banais, nas evasivas constantes, no desinteresse…) Amor, Amor – para onde fugiste Tu e como te trago de volta?)

Talvez devêssemos conversar. Podia tocar-te na face cansada e dizer-te abertamente “É urgente conversar”… mas o que um lado deseja teme-o o outro e afinal é sempre esta a dialéctica que orienta o ser…

É isso, vou virar-me para ti. Vou virar-me lentamente, deitar-me perto do teu calor e sussurrar-te ao ouvido um

“Amor, chegaste?”

(Silêncio)

Indiferente adormeceste e o meu triste coração vai chorar até de madrugada.