quarta-feira, fevereiro 01, 2006

É tarde

É tarde, muito tarde na noite, e só agora me chegas a casa. Despes o casaco e lentamente vais despindo o teu dia, teus cansaços, teu corpo abatido. Sentas-te na cama e eu sinto-te pesado, como se todos os males do mundo descansassem em ti. Os teus cheiros são de trabalho e de pessoas e de mulheres que encantaste com essa tua virilidade tão especial… E eu sinto esses teus odores etéreos e não é sem ciúme que te imagino com elas… Estendes-te ao comprido na cama e largas um suspiro. E o meu beijo? Dás-me sempre um beijo quando chegas tarde e eu finjo já estar a dormir só para ter o prazer de sentir os teus gestos de amor, quando me aconchegas os lençóis no pescoço, onde plantas um beijo, e sussurras um sorriso terno como se eu pudesse senti-lo… E o meu beijo, então?

(Ultimamente temos perdido rituais. E com eles a sacralidade da nossa relação. E eu sei bem por que finjo dormir até que chegues e já não é a mesma coisa. Os teus cansaços são para mim banais porque os deixaste de partilhar comigo mas os meus medos são reais e eu tenho medo de nos perder. Terei já perdido?)

Esqueceste o beijo… outra vez. E eu talvez deixe de fingir que durmo e ou deixo-me ficar acordada ou durmo mesmo, num sono fundo e bem real e indiferente. Que me interessa se isto acontece a toda a gente?! A dor é a mesma… nem mais, nem menos… Mas agora abraçaste a almofada e eu até dela sinto uma ponta de ciúme. Saudade... Saudade vaga e profunda daquele abraço em silêncio… E eu agora hesito… E se eu enrolasse o meu braço no teu pescoço? Se eu encostasse os meus lábios à tua orelha sonolenta e aí deixasse escapar levemente um ‘amo-te’ meio forçado? Talvez aí te revoltasses mesmo (e eu contigo…) … talvez aí me afastasses de vez…

(Sei bem que ainda te amo profundamente, mas tenho dúvidas quanto ao teu amor. Não sei o que viste em mim quando nos conhecemos, nem o que nos juntou… mas, oh, eu amo-te sim, Amor… Amo-te e não é sem dor que reconheço este falhanço… Sinto indiferença no modo como me olhas, indiferença nas respostas às perguntas banais, nas evasivas constantes, no desinteresse…) Amor, Amor – para onde fugiste Tu e como te trago de volta?)

Talvez devêssemos conversar. Podia tocar-te na face cansada e dizer-te abertamente “É urgente conversar”… mas o que um lado deseja teme-o o outro e afinal é sempre esta a dialéctica que orienta o ser…

É isso, vou virar-me para ti. Vou virar-me lentamente, deitar-me perto do teu calor e sussurrar-te ao ouvido um

“Amor, chegaste?”

(Silêncio)

Indiferente adormeceste e o meu triste coração vai chorar até de madrugada.

2 comentários:

Anónimo disse...

rita...adoro o que escreves. faço este comentario aqui porque calhou.
...da-me mais!
faz-me acreditar nessa sensibilidade e nesse mundo que também sinto como meu e que tanto confronto e disparidade encontra na realidade que me rodeia...
será ilusao querer acreditar nele como real?
sera este sofrimento em vão?

beijinho
Raquel

Anónimo disse...

deixa-me dizé-lo, cara amiga, que com un presente já assim bom tu tens um enorme futuro. Não só simplesmente enquanto escritor, mas como pessoa na sua totalidade.

Feliz e honrado de te conhecer,
un beijo e um abraço grande

alessandro