Eu até sou uma pessoa pacífica. Nunca matei ninguém nem tenho ideias de fazê-lo. Pelo menos para já, mas quem sabe um dia mais tarde… já tive vários animais de estimação e, à parte de algumas negligências menores, nunca os tratei mal. Geralmente tenho cuidado com os sentimentos dos outros, sobretudo se esses outros me forem queridos. Portanto, no geral, acho que sou uma pessoa pacífica.
Mas, como qualquer ser humano, há em mim sementes de violência. Pronto, confesso: eu tenho um lado extremamente violento e sanguinário. Tivesse eu a possibilidade de me tornar uma ditadora implacável e nem o mais implacável dos ditadores da História teria alguma hipótese comigo. A não ser que fizessem beicinho. Aí eu reconsiderava.
Independentemente disso, tenho vindo a desenvolver uma teoria sobre as sementes de violência das pessoas comuns e isso levou-me a escrever um pequeno artigo científico. Hoje em dia, toda a gente escreve artigos científicos (e não só, isso seria reduzir demasiado a possibilidade de escrita, o que não é nada democrático), por isso eu pensei em escrever um também. Pode ser que algum cientista/filósofo o leia e decida fazer algo útil com ele (não vou dizer o quê aqui porque ficaria extremamente deselegante escrito, mas é fácil imaginar as muitas utilidades de um artigo como este).
A lei geral da minha teoria sobre as sementes de violência das pessoas é a seguinte: basta premir os gatilhos certos e elas disparam. Ou, numa enunciação mais cientifica, premix gatilli certi et disparant.
Eu por exemplo sei que há coisas que despertam em mim essa besta violenta. Quais são? Bem, a arrogância de alguém. O preconceito. E então a arrogância preconceituosa ou o preconceito arrogante… ui! Pareço uma terrorista, um cão raivoso, arreganho os dentes e só me apetece dizer: ouve lá, já olhaste bem para ti? Sim, aí tenho desejos profundos de ser estupidamente primária e idiota. E entro num grave dilema moral: devo dar um murro na cara da pessoa que está a ser arrogante e preconceituosa ou insultá-la? Isto tem-me tirado o sono.
Pode parecer um problema menor, mas a verdade é que é um conflito interior comum a muitos seres humanos. Quem nunca passou por algo semelhante, ao deparar-se, em certa situação, com a estupidez cega de alguém, ficando depois sem saber que tipo de reacção seria mais eficaz para afastar momentaneamente a estupidez e apaziguar a irritação por ela provocada? Ninguém, nem mesmo alguém muito estúpido, porque há sempre alguém ainda mais estúpido.
Foi o desejo de ir mais longe no estudo sobre a arrogância e o preconceito (e a sua relação com a estupidez humana), aliado ao facto de eles serem em mim gatilhos para a violência, que me levou a escolher este tema tão pouco desenvolvido na literatura científica existente.
Sei bem que corro o risco de parecer arrogante em certas passagens deste estudo. Contudo, há aqui uma coisa a favor do afastamento de tal comportamento das minhas palavras: é muitas vezes difícil distinguir a estupidez da arrogância, já que elas andam frequentemente de mão dada. Aqui, no entanto, é claro e não há possibilidade de confundir uma com a outra – este texto é demasiado estúpido para ser arrogante.
Deixando, para já, de lado a estupidez, começarei por centrar a minha análise na arrogância em si mesma considerada, enquanto comportamento autónomo de um indivíduo.
A arrogância é uma atitude palerma. Uma pessoa arrogante é uma pessoa que age com suposta superioridade, convencida de que é excepcional e de que, como tal, está acima dos comuns mortais. Se está acima dos comuns mortais, não se pode relacionar com eles num plano de paridade. E se não pode relacionar-se com os outros seres humanos como iguais, então está sozinha. Num pedestal (mesmo que seja imaginário), é certo, mas sozinha. A lógica imbatível destes argumentos leva-nos a concluir algo terrível: uma pessoa arrogante é uma pessoa só. Sobretudo se a isto acrescentarmos que a arrogância é algo pouco atraente e que repele a empatia das pessoas. Em suma, a arrogância é uma atitude palerma. Mas então por que há tantas pessoas arrogantes no mundo? A resposta é simples e perturbadora: porque o mundo não é lógico. E é palerma.
Do mesmo modo, também o preconceito é algo, em si mesmo considerado, na sua essência, palerma. Um preconceito é uma ideia que alguém fixou sobre uma determinada coisa ou pessoa com base num estereótipo. É uma contingência elevada a verdade universal, imbatível na sua evidência. Pode não ter qualquer relação com o real, pode não ter absolutamente nada a ver com o objecto do preconceito, mas para aquele que o profere ou pensa, isso não interessa. Para quem acredita no preconceito, é tão evidente que ele corresponde à verdade como é evidente que a laranja do Algarve faz uma excelente limonada. Uma pessoa que tem preconceitos em relação a qualquer coisa é, logicamente, uma pessoa clarividente. Por isso é que há tantas pessoas preconceituosas no mundo: ter preconceitos faz-nos ver o mundo com clareza, na nossa cabeça. É uma chatice ter de realmente conhecer as pessoas e as coisas, vê-las como elas são, e ter de refazer constantemente o mapa do real que vamos fazendo à medida que vivemos. Evidentemente, é muito mais fácil ter imagens fixas e ideias estereotipadas sobre tudo. Poupa-se imenso tempo e chatices e tem-se muito mais segurança e certeza sobre o mundo em que se vive, na medida em que é um mundo criado e moldado pelos preconceitos. E assim fica-se com muito mais tempo para beber limonada (laranjada não dá para fazer no Algarve porque lá não há maçãs).
Feita esta análise sobre a arrogância e o preconceito isoladamente, há que relacioná-los entre eles e ainda com a estupidez.
Como já ficou claro, o mundo não é lógico. Contudo, há certas coisas coerentes no mundo, que só podem ser entendidas como desleixo de um hipotético criador ou então atribuídas ao carácter aleatório do universo. Assim, há uma força poderosíssima que é inerente ao ser humano e que é o instinto de sobrevivência, embora seja observável que ele não se encontra desenvolvido em igual grau entre os seres humanos. Como tal, há seres humanos que desenvolvem mais este seu instinto, estando por isso dotados de uma maior capacidade de sobrevivência. Estudos recentes como este demonstram que, no fundo, a arrogância e o preconceito são comportamentos primários, um desvio do normal desenvolvimento do instinto de preservação da vida inerente a todos os seres humanos. Ou seja, são deficiências, com características específicas de cada uma delas. Enquanto a arrogância é uma hipertrofia do desenvolvimento do ego (podendo ser sintomática tanto de um ego desmesurado como de um ego atrofiado), o preconceito é já revelador de uma deficiente capacidade de adaptação ao meio. Em suma, estes comportamentos palermas são sintomáticos de uma deficiente adaptação dos seus portadores à vida e ao mundo e não são mais do que meras tentativas de sobrevivência. Desajustadas, é certo, e absolutamente palermas, mas ainda assim não deixam de ser tentativas.
Que fazer, então, para erradicar estes comportamentos do mundo e das relações humanas? Infelizmente, o meu estudo científico ainda não se encontra na fase de encontrar soluções para os problemas apresentados, por isso apenas me resta concluir que, aparentemente, não há solução para esta questão. Sobretudo porque, como resulta claro das ideias aqui defendidas, o mundo não é lógico e só assim faz sentido.
A única conclusão definitiva a tirar é extremamente simples e, diria até, evidente: por mais que se procurem justificar à luz das descobertas científicas, a arrogância e o preconceito são e serão sempre comportamentos extremamente palermas.
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