quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Não.

Prometo que vou tentar escrever um texto meu sobre este assunto. Não vou ter tempo (de certeza) para conseguir cumprir a minha proposta de escrever vários posts, cada um com uma Razão que me leva a votar não. O tempo, de facto, escasseia e não é elástico. Para já, deixo este texto do P. António Vaz Pinto.

P. António Vaz Pinto - Resposta a Frei Bento Domingues

(...)Limitado pelo tempo e pelo espaço, irei cingir-me a três tópicos referidos na sua crónica, que considero os mais importantes:

1. Consciência e norma ética. Pode ser útil referir Aristóteles, S. Tomás de Aquino ou J. Ratzinger, o actual Papa, para relembrar que a suprema instância de decisão ética para o cristão, acima da própria suprema autoridade eclesiástica, o Concílio ou o Papa, é a consciência individual. É doutrina mais que tradicional. Mas é bom ter presente que este princípio não vale apenas para a questão do aborto; se alguém se afirmar, cristão e simultaneamente, em consciência, defensor da escravatura, da pedofilia ou do racismo, que lhe dirá Frei Bento? Que lhe pode opor? Fica entregue a si próprio e a Deus... Importante, para todos, é informar e formar a consciência para que cada um possa decidir e agir em conformidade com a recta razão que é a norma ética. E é aqui que nos devemos situar: o que é conforme à razão, às exigências de natureza humana individual e colectiva?

2. A problemática jurídica e penal e os limites da tolerância. Numa sociedade laica e plural como é a nossa - e estou muito contente que assim seja -, os cristãos ou a Igreja não devem nem podem impor a sua "visão" aos outros membros da sociedade. Mas, tal como os membros de outras confissões, agnósticos e ateus, têm todo o direito e até o dever de propor valores e princípios, na busca de um denominador comum que permita a convivência, nunca totalmente pacífica, em sociedade...É precisamente disso que se trata: o ordenamento jurídico de uma dada sociedade, incluindo o ordenamento penal, tem pressupostos e valores donde brotam as diversas normas. Por exemplo, em Portugal, é proibido o roubo, o homicídio, o racismo, a difamação, etc. Quer isto dizer que a sociedade portuguesa, através dos seus legítimos representantes, legisladores, assume como valores e pressupostos a propriedade, a vida humana, a igualdade racial, o bom nome, etc., consagrando-os como "bens jurídicos", a preservar e defender.Essa é que é a questão que se coloca a todos nós, no próximo referendo: independentemente da nossa religião (ou ausência dela) em que modelo de sociedade queremos viver? Que valor consideramos maior? A vida humana, raiz de toda a dignidade e de todos os direitos, "inviolável", como diz a nossa própria Constituição (Artº 24, n. 1), ou consideramos que outros valores, vg. saúde, segurança, não humilhação, valem mais do que a própria vida? Dir-se-á: mas ninguém é obrigado a abortar; proibir o aborto é impor aos outros as nossas convicções: proibir a escravatura, o racismo e a pedofilia também é impor as nossas convicções àqueles que pensam doutra maneira... ou será que essas proibições devem desaparecer do Código Penal? Em cada momento, cada sociedade faz escolhas de carácter ético e, embora possa e deva, nas nossas sociedades pluralistas, deixar largas margens de liberdade e não se intrometer na vida e moral privada de cada um, tem de assegurar as normas jurídicas mínimas de convivência social. Quando a liberdade de um colide com a vida e a liberdade de outro, a sociedade pode e deve fazer escolhas e estabelecer limites. E estas escolhas são feitas sabendo-se de antemão que haverá quem não concorde, que haverá sempre maioria e minoria....O pluralismo não pode ser ilimitado e a própria tolerância levada ao extremo autodestrói-se...

3. "Por opção da mulher"Ao contrário da actual lei - com a qual não concordo, evidentemente (mas que tem o mérito de manter o princípio do respeito pela vida humana e da ilicitude do aborto, apenas abrindo excepções por razões ponderosas) - o que é proposto na pergunta agora colocada a referendo, embora se refira apenas a "despenalização do aborto", corresponde a uma realidade totalmente diferente: desde que praticado em estabelecimento de saúde autorizado e até às dez semanas, a prática do aborto, de facto e de direito, fica totalmente liberalizada e até financiada, dependendo apenas da vontade da mulher. Até às dez semanas, é o total arbítrio...Será isto justo, saudável, estará de acordo com os fundamentos do modelo de sociedade, defensora dos direitos humanos e da dignidade da vida humana, que demorou tantos séculos a construir? Se é certo que a mulher, na sociedade e na Igreja, foi e continua a ser injustamente discriminada, não parece sensato nem justo que se introduza agora uma discriminação positiva, em favor das mulheres, no campo jurídico e penal... O ser humano - homem e mulher - é capaz do pior e do melhor - sem distinção de sexo... Apesar de saber bem o rol de sofrimento da mulher que muitas vezes acompanha a prática do aborto, as pressões, sociais, familiares e afectivas a que está sujeita (muitas vezes do próprio homem que contribuiu para a concepção do feto), entregar à mulher, em total arbítrio, a decisão de vida ou de morte de um ser humano não é justo nem democrático. E diria exactamente o mesmo, é evidente, se o homem fosse o decisor...O combate ao aborto (que todos reconhecem como mal, incluindo os defensores do sim) não passa pela sua liberalização, mas pelo combate às suas raízes... Pais, escola, família, comunicação social, sociedade em geral, a Igreja e o Estado... todos temos culpas e todos temos muito a fazer... O apoio afectivo, psicológico, social e financeiro às mulheres - efectivo - é indispensável e urgente. Não sei qual será o resultado do referendo próximo. Mas sei que a luta pela vida continua e que o que tem futuro na história da humanidade não é o que destrói, mas o que fomenta a promoção integral da vida humana: o homem todo e todos os homens, sem excepção. Isso é que é ser universal, isto é, "católico"... Caro Frei Bento, espero encontrá-lo na próxima curva da nossa história, do mesmo lado, o lado da defesa dos direitos humanos, sem sim, nem mas...

in Público, 7.2.2007

2 comentários:

Anónimo disse...

Governo deve tomar medidas em vez de pedir ao povo a solução

Não ! - Não à legalização do aborto através da falsa bandeira (engodo) da despenalização !

A despenalização do aborto é outra forma enganadora de combater o aborto. O número de interrupções de gravidez, no mínimo, triplicará (uma vez que passa a ser legal) e o aborto clandestino continuará - porque a partir das 10 semanas continua a ser crime e porque muitas grávidas não se vão servir de uma unidade hospitalar para abortar, para não serem reconhecidas publicamente.
O governo com o referendo o que pretende é lavar um pouco as mãos e transferir para o povo a escolha de uma solução que não passa, em qualquer uma das duas opções, de efeito transitório e ineficaz.
Penso que o problema ficaria resolvido, quase a 90 %, se o governo, em vez de gastar milhões no SNS, adoptassem medidas de fundo, como estas:

1 – Eliminação da penalização em vigor (sem adopção do aborto livre) e, em substituição, introdução de medidas de dissuasão ao aborto e de incentivo à natalidade – apoio hospitalar (aconselhamentos e acompanhamento da gravidez) e incentivos financeiros. (Exemplo: 50 € - 60 € - 70€ - 80€ - 90€ - 100€ - 110€ - 120€ -130€, a receber no fim de cada um dos 9 meses de gravidez). O valor total a receber (810€) seria mais ou menos equivalente ao que o SNS prevê gastar para a execução de cada aborto. (*)

2 – Introdução de apoios a Instituições de Apoio à Grávida. Incentivos à criação de novas instituições.

3 – Introdução/incremento de políticas estruturadas de planeamento familiar e educação sexual.

4 – Aceleração do "Processo de Adopção".


(*) Se alguma mulher depois de receber estes incentivos, recorresse ao aborto clandestino, teria que devolver as importâncias entretanto recebidas (desincentivo ao aborto). [Não sei se seria conveniente estabelecer uma coima para a atitude unilateralmente tomada, quebrando o relacionamento amistoso (de confinaça e de ajuda) com a unidade de saúde].

Estou para ver se os políticos vão introduzir, a curto prazo, algumas deste tipo de medidas. É que o povo, mais do que nunca, vai estar atento à evolução desta problemática.

rita disse...

Gostei deste texto do P. António Vaz Pinto. Percebo a argumentação dele, que é bastante lógica e tem sem dúvida a qualidade de ser lúcida. Contudo, e já que se trata de uma resposta ao texto de Frei Bento Domingues, confesso também que me identifico mais com a perspectiva de Frei Bento (mas isto não é novidade, right?).
Não tenho grandes argumentos para refutar o texto, talvez porque ele tem muitos e o meu cansaço não chega para eles! E provavelmente eu também não chego para eles.
Acho que gostava de ver o P. António Vaz Pinto e Frei Bento Domingues a dialogar sobre isto. Creio que, pelo menos a julgar pelos textos deles, o diálogo ia ser bem mais equilibrado e elevado do que a maior parte dos debates esgrimidos que vemos por todo o lado.