Sinopse:
“A peça acontece num ambiente de miséria extrema, no qual os elementos de uma família são obrigados a coexistir, cada um trancado dentro do seu próprio universo. O clímax acontece quando, após um parto extraordinariamente violento e primitivo, a Mãe dá à luz uma criança morta. No meio da confusão, a filha consegue finalmente fugir daquela realidade. O espectáculo materializa em cena a fome, a apatia, a falta de capacidade de reagir. Para isso o autor optou por escrever uma peça sem diálogos. As personagens não falam. Não porque se expressem por mímica, mas porque não têm nada a dizer. O único som existente é de um irónico programa de rádio, fonte exclusiva de alguma espécie de alimento cultural, que martela todos os sonhos e fetiches da alienação social.
Durante quase todo o tempo as personagens esperam. Em tensão. E em silêncio."
Eu não sei o que é o teatro. Sei que o sinto como um momento (ou uma sequência deles) único e irrepetível de comunicação entre pessoas. E sei que, só quando acontece este inexplicável entre actores, técnicos, encenador e público, só quando acontece esta cumplicidade estranha e íntima, só quando há este contacto, só assim acontece teatro.
“Tempo de Espera” foi Teatro com t maiúsculo. Senti que me encostavam à parede e me diziam: “Agora olha”. E, olhando, vi todas as coisas que sabemos existir mas tendemos a ignorar. Tal como as personagens, não tenho palavras, não porque esteja trancada no meu universo (Ou estarei? Não estaremos todos?), mas porque não há palavras para ilustrar o que acontece em cena, aquela única e irrepetível vez. Apenas digo que há muito tempo não via teatro assim.
3 comentários:
Posso estar contente porque estive lá.
Concordo absolutamente com o que disseste: é uma peça forte e violenta, que traz a um palco uma realidade. A actriz que representava a mãe era formidável: tão cedo não passará. E o rádio...grotescamente burlesco. O rádio: o rádio éramos nós, o rádio somos nós!, que continuamos todos alegres, estupidamente alegres, alheios a todas as mil peças como aquela que diariamente estão em cena em múltiplos lares deste país!
Estou-me a entusiasmar de raiva enquanto escrevo: peças destas são precisas. Precisamos que nos abram os olhos, que nos façam como ao Alex da "Laranja Mecânica" e nos forcem a ver e a ver e a ver aquilo que preferíamos cegar.
E depois, depois, sabem?, vamos construir uma OTA, aliás, um TGV! Nós somos o raio de um país muito moderno! Sabiam que cada cidadão tem (anunciou o Sr. Sócrates) direito a um e-mail? Ah, julgo que as mil mães que estão a parir por este Portugal fora agarradas a uma corda, estou certo que essas mil mães correrão amanhã à segurança social a pedir o seu e-mail! Este país é mil vezes mais burlesco que o rádio da peça!
Nós - os seres humanos! - somos mil vezes mais burlescos que este país!
Ao menos, contribuímos com quatro livros e um pacote de arroz. Deus nos perdoe sermos tão inúteis...
a peça é realmente muito boa. inquietante. e pensar que tudo esta tao perto...
maria
Ena, que comentário fabuloso, João! :) E tens razão, o rádio, o maldito, ridículo e burlesco rádio somos nós, todos nós. Deus nos perdoe porque sabemos o que (não) fazemos. E porque tudo está tão perto, como dizes Mary...
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