sexta-feira, março 17, 2006

"Poesia" de Sophia

Quem descobre Sophia torna-se mais sabedor. Quem descobre Sophia encontra a beleza das palavras, da vida, do amor e dos sentidos em linhas tão simples, tão leves mas tão complicadas! Este poema, esta "Poesia", é belo e é intenso e é lindo. E eu leio-o e penso que afinal todos somos poetas, mesmo aquele que não tem o mais pequeno pingo de poesia a correr-lhe nas veias. Existes e estás aqui? És poeta.

Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.

1 comentário:

rita disse...

Neste poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, intitulado "Poesia", o sujeito poético sugere imagens que traduzem a fragilidade da condição do Homem, fragilidade essa que transparece na própria criação poética. Até o título é significativo, uma piscadela de olho da autora, que nos relembra que é esta finitude que atrai o Homem para toda a forma de arte, incluindo a poesia. Essa finitude frágil que nos faz por vezes abandonar todo o nosso ser ao vento que passa.
Por outro lado, o segundo verso remete para as contradições e limitações do Homem que, "sem medo nem dó" comete erros dolorosos, destruindo-se um pouco de todas as vezes que erra (pressente-se aqui o paradoxo que é só assim se superar), "morrendo" um pouco em tudo o que sente.
O terceiro verso remete para a crueldade da condição humana e, mais uma vez, para essa fragilidade do Homem que é vir ao mundo "nu em sangue" para sempre continuar nessa espécie de nudez que é a incerteza da vida e a solidão da existência. E nessa nudez e solidão desarmada se embala o Homem na própria dor, que irremediavelmente faz parte da sua vida.
O quarto verso é já de esperança (bem como o resto do poema), falando na única forma de superação da dor da existência, da única forma de mitigação da solidão: o amor. As “madrugadas do amor” são um novo dia de esperança, e com ele "quando a manhã brilhar refloriremos" e, amando, a nossa "alma possuirá esse esplendor / prometido nas formas que perdemos". Só amando se cobrirá um pouco, com um manto de felicidade, essa nudez existencial que nos faz poder cantar a efemeridade da vida.

É por isto que adoro este poema: em tão poucos versos diz tudo. É uma espécie de glorificação agri-doce da vida e da arte, com uma forte nota de optimismo e amor pela vida, que vale tanto por ser a única que temos.
Podia ir mais fundo na análise do poema, mas acho que ficou o essencial.
Penso ser esta a magia de Sophia.

PS: Ainda bem que perguntaste, Pedro.  Nem imaginas o bem que me fez recordar a minha maior professora de sempre. A ela devo-lhe muito – sobretudo este meu amor pela palavra.