sexta-feira, novembro 18, 2005

áfrica minha...

Sonhei com a terra do pôr-do-sol
Onde as cores se confundem no calor
Que arde quente e faz brilhar
Na pele escura gotas de suor.
.
Imaginei um canto escondido
Onde ecoavam vozes meio gritadas
rezando a Deus, de olhar já rendido,
de bocas secas, barrigas inchadas.
.
Mas nessa terra há ainda esperança
(há ainda vontade de a ajudar!)
E as crianças, cobertas de pó,
Sabem sorrir e sabem sonhar.
.
Sabem amar, sabendo sofrer
E vão vivendo ao sbor do vento
Que embala o cheiro da sua cultura
Que as pinta por fora e as enche por dentro.
.
Para o ano... :)! mal posso esperar!

terça-feira, novembro 08, 2005

Aula de introdução ao direito... :)

"Perdão, senhor juíz!"
diz de algemas ou infeliz.
"Perdão, senhor, perdão!"
Grita, protrado, de olhar no chão!
.
"Eu já nem sei o que fiz!"
"Pobre coitado! Não sabe o que diz!
Pois tu espancaste o teu irmão!
Quase o matavas! Que queres, então?"
.
"Peço clemência... pra ser feliz..."
"Partiste-lhe a cana do nariz!..."
"Por favor! Prá cadeia não!"
E com um pé partiste-lhe a mão!"
.
"Ouça, você fez aquilo que quis."
"Estou inocente... não fiz o que diz!"
"Ficou provado!" "...é um aldrabão...»( "
"Que foi que disse? VÁ PRÁ PRISÃO!!"
.
Grande aula, não? :D

Reminiscência

Um poema pouco conhecido, mas lindíssimo. Claro que não fui eu que escrevi. eheh : )

Reminiscência

"...Lisboa, Santarém, Porto, Leiria..."
(eu sabia de cor toda a geografia)
O Senhor Inspector
deu-me a nota mais alta em geografia
e disse gravemente:
- "Continua. Hás-de ser gente..." -

"Ângulo recto, agudo,
cateto, hipotenusa...
(já manchara de giz a minha blusa
mas respondia a tudo
e a professora sorria
enquanto eu papagueava a geometria)
"...D.Sancho, o Povoador...
D.Dinis, o Lavrador...
(Tinha então boa memória,
sabia as datas da história...)
1580
1640
1143
em Arcos de Valdevez...
(Muito bem, sim senhor!
A pequena é simpática)
E depois, em voz alta, o senhor Inspector:
- Vamos à gramática." -

"...E, nem, não só, mas também...
conjunções copulativas"
(Eu pensava na alegria
que ia dar a minha mãe,
nas frases admirativas
da velha D.Maria,
a minha primeira mestra:
- Tão novinha e ficou "bem"!" -
e esta suavíssima orquestra
acompanhava em surdina
o meu primeiro exame de menina
aplicada, orgulhosa e inteligente...)

- "Vá ao quadro, menina! Docilmente
fiz os problemas, dividi fracções,
disse as regras das quatro operações
e finalmente
O Senhor Inspector felicitou-me,
quis saber o meu nome
e declarou-me
que ficara "distinta" sem favor.

Ah! que esplendor!
Que alegria total e sem mistura,
que orgulho, que vaidade!
Olhei de frente o sol e a claridade
não me cegou, julguei-a quase escura...
As estrelas, fitei-as como iguais.
Melhor: como rivais...
E a Humanidade
pareceu-me um rebanho sem vontade,
uma vasta colónia de formigas...
(As minhas pobres, tímidas amigas!)
Pouco depois, em casa, a testa em fogo, o olhar em brasa,
gritei num desafio
à terra, ao céu, ao mar, ao rio:
- "O mãe, eu já sei tudo!"
No seu olhar tranquilo de veludo,
no seu olhar profundo,
que era todo o meu mundo,
passou uma ironia tão velada,
uma ironia
tão funda, tão calada,
que ainda hoje murmuro cada dia:
"-O mãe, eu não sei nada!..."

Fernanda de Castro
Trinta e nove poemas (1941)

sexta-feira, novembro 04, 2005

Sísifo

Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga, Diário XIII

Nota (não sei se importante): Sísifo é uma personagem mitólogica condenada pelos deuses a empurrar eternamente uma pedra montanha acima. Sempre que alcançava o topo, a pedra rolava outra vez para o sopé da montanha. Inutilmente. (Tal como nós?... Como quase tudo, é discutível. Mas quem não sente de vez em quando que carrega com esforço uma pedra pesadíssima só para no fim a ver rolar outra vez cá para baixo?)

terça-feira, novembro 01, 2005

Alice

Sinopse: Passaram 193 dias desde que Alice foi vista pela última vez. Todos os dias Mário, o seu pai, sai de casa e repete o mesmo percurso que fez no dia em que Alice desapareceu. A obsessão de a encontrar leva-o a instalar uma série de câmaras de vídeo que registam o movimento das ruas. No meio de todos aqueles rostos, daquela multidão anónima, Mário procura uma pista, uma ajuda, um sinal... A dor brutal causada pela ausência de Alice transformou Mário numa pessoa diferente mas essa procura obstinada e trágica, é talvez a única forma que ele tem para continuar a acreditar que um dia Alice vai aparecer.

Nota de intenções: Interessava-me na história de “Alice” explorar sobretudo a obsessão. Alguém que perde uma filha e que, sentido-se impotente para agir, cria um sistema paralelo de funcionamento, exterior à sociedade em que vive. Quando, à noite de regresso a casa, vemos os vídeos de Mário e toda aquela multidão anónima, em movimento continuo, já não sabemos se aquelas imagens são reais se apenas existem na cabeça de Mário.Um rosto igual a outro rosto, uma rua igual a outra rua, um dia igual a outro dia. A cidade como local de abstracção onde, alguém como Mário, pode estar profundamente isolado. Na procura de Alice, Mário conhece outras personagens, também elas, de alguma forma, sozinhas também elas isoladas na cidade onde vivem.“Alice” é sobretudo um filme sobre a ausência. Uma história de amor de um pai por uma filha.
Marco Martins

Alice. É, para mim, um filme estranho. E não é por ser português, não é por não ter um enredo com acção intensa e tiros e grandes reviravoltas. Não. É simplesmente um filme estranho, um filme deprimente, parado e angustiante. Não lhe achei enredo convincente (para além do óbvio - o desaparecimento de Alice e a busca obsessiva do seu pai), nem força interpretativa do actor principal, cuja personagem parecia de papel, embora todos os silêncios prolongados, todos os diálogos curtos e intensos tivessem uma força expressiva arrepiante. O ritmo lento (lentíssimo), embora cansativo, pareceu-me o ritmo adequado ao tema, bem como a repetição de espaços, personagens e ambientes sórdidos. Pelo menos exalta o valor da esperança e revela a dificuldade de a manter com a passagem do tempo... Do que gostei mesmo mais foi a música, que achei brilhante, sobretudo pela simplicidade do tema principal, recorrentemente ouvido, e que ficou a ressoar nas nossas cabeças bem para lá dos créditos finais.

Não aconselho nem desaconselho (quem sou eu para o fazer?). Apenas deixo aqui o meu testemunho, juntamente com a esperança que deposito no cinema português de que um dia, se é que não o começa a fazer já, traga a qualidade de representação e a universalidade de temas que sei existir em Portugal para as salas de cinema. E que, nessa altura, espectadores orgulhosos e apaixonados encham as salas nacionais gritando: "Viva o cinema português!"